O que começou como uma suspeita isolada rapidamente se transformou em um dos maiores escândalos sanitários envolvendo nutrição animal no Brasil. Segundo o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), já são 284 cavalos mortos em decorrência do consumo de rações produzidas pela Nutratta Nutrição Animal Ltda, empresa que teve a produção suspensa por determinação oficial.
A tragédia chamou atenção não apenas pela gravidade, mas por tratar-se de uma ocorrência inédita, como reforça Carlos Goulart, secretário de Defesa Agropecuária: “Nunca, em toda a história do Ministério, havíamos identificado a presença dessa substância em ração para equinos. É a primeira vez que isso acontece.” A substância em questão é a monocrotalina, um alcaloide pirrolizidínico altamente tóxico que afeta o fígado e o sistema neurológico dos animais, mesmo quando presente em quantidades mínimas.
Essa toxina é encontrada naturalmente em plantas do gênero Crotalaria, conhecidas por sua hepatotoxicidade intensa. De acordo com o Mapa, a contaminação ocorreu devido a falhas no controle de qualidade da matéria-prima utilizada pela empresa, o que resultou na presença indevida de compostos proibidos nas fórmulas das rações. “A legislação é clara: essa substância não pode estar presente em nenhuma hipótese”, afirmou Goulart.
A gravidade do caso levou a Justiça a revogar a liminar que autorizava parcialmente a retomada da produção da Nutratta. Com isso, voltou a valer a suspensão cautelar da empresa, que está proibida de fabricar qualquer ração animal até que comprove ter corrigido todas as falhas apontadas pela fiscalização – algo que, até o momento, não aconteceu.
Desde o início da crise, em 26 de maio, quando o Mapa recebeu a primeira denúncia via Ouvidoria, os casos se multiplicaram em estados como Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Alagoas. Em todas as fazendas vistoriadas, os animais acometidos pela doença haviam consumido a ração da Nutratta. Curiosamente, os cavalos que não ingeriram o produto permaneceram saudáveis, mesmo dividindo o mesmo ambiente com os contaminados – um dado que reforça a ligação direta entre o produto e os óbitos.
Os Laboratórios Federais de Defesa Agropecuária (LFDA) confirmaram a presença da monocrotalina em amostras da ração e das matérias-primas utilizadas, comprovando a origem do problema. O efeito da toxina varia conforme o tempo de exposição, a dose ingerida e a resistência individual do animal, podendo causar desde sintomas leves até falência hepática e morte súbita.
Além dos danos clínicos, o episódio levanta um debate urgente sobre os limites da fiscalização no setor de nutrição animal. Para o secretário Carlos Goulart, o caso revela uma lacuna grave: “Estamos diante de uma falha grave de controle de insumos. Precisamos rever não só os processos internos das empresas, mas também os protocolos de rastreabilidade das matérias-primas.”
Enquanto isso, o Ministério segue monitorando outros lotes de ração e insumos, cujas análises laboratoriais estão em andamento. A expectativa é de que novas informações possam determinar se a extensão do problema é ainda maior do que se imagina. O cenário já é considerado crítico por especialistas do setor, como o próprio Goulart, que alertou para o potencial devastador da toxina mesmo em ambientes urbanos: “É um alerta que deve servir para toda a cadeia da produção animal. A segurança começa no cuidado com o que entra na fábrica.”
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