Na superfície, o solo parece o mesmo: fértil, produtivo, estável. Mas sob essa aparência tranquila, uma revolução silenciosa correu por décadas até ganhar o reconhecimento que faltava. Em julho de 2025, a pesquisadora Mariângela Hungria, da Embrapa Soja, foi anunciada como vencedora do World Food Prize, considerado o maior prêmio internacional dedicado à alimentação e agricultura — uma espécie de Nobel do setor. A conquista marca a primeira vez que uma mulher brasileira leva o título e celebra mais do que uma trajetória científica exemplar: consagra uma mudança de paradigma sobre como alimentar o mundo sem esgotar seus recursos.
A honraria reconhece uma contribuição que já vem sendo sentida na prática por milhões de agricultores. Mariângela é referência global em microbiologia do solo, tendo dedicado mais de 40 anos à pesquisa de soluções biológicas que permitissem reduzir a dependência de fertilizantes químicos. Por meio de estudos pioneiros com rhizobia e Azospirillum brasilense, ela ajudou a desenvolver inoculantes microbianos, capazes de fazer com que as plantas fixem nitrogênio diretamente do ar. Ou seja: uma solução natural, eficiente e limpa, baseada no uso estratégico de microrganismos.
Hoje, essas tecnologias cobrem mais de 40 milhões de hectares em lavouras brasileiras, beneficiando culturas estratégicas como soja, milho, feijão, arroz e trigo. Os números impressionam: estima-se que o impacto econômico dessas inovações seja de US$ 40 bilhões em economia por ano, além de evitar a emissão de 180 milhões de toneladas de CO₂ equivalente anualmente — resultado direto da substituição dos insumos sintéticos por processos naturais.
A soja é, talvez, o exemplo mais emblemático do sucesso dessa abordagem. Em meados dos anos 1970, o Brasil colhia algo em torno de 15 milhões de toneladas do grão. Em 2025, a previsão é de que o país alcance 173 milhões de toneladas — uma escalada histórica que coloca o Brasil entre os líderes mundiais da produção, com base em tecnologias sustentáveis.
Em suas próprias palavras, Mariângela define esse movimento como uma “Microrrevolução Verde”, expressão que sintetiza o poder de transformação da microbiologia aplicada ao campo. “A sustentabilidade não é mais uma escolha futura — é um caminho já trilhado. E ele pode ser feito com base na ciência, nas soluções da natureza e no compromisso com a produção responsável”, afirmou em nota oficial.
A cerimônia de entrega do World Food Prize está marcada para outubro deste ano, em Des Moines, no estado de Iowa, Estados Unidos — sede da fundação que organiza a premiação. Para o Brasil, o reconhecimento representa mais do que um marco individual: reforça a relevância da ciência nacional no debate global sobre segurança alimentar e mudanças climáticas.