O que começou como uma planta ornamental importada há cerca de quatro décadas transformou-se em um problema ambiental de grandes proporções. A unha-do-diabo (Cryptostegia madagascariensis), originária de Madagascar, encontrou no solo e no clima do semiárido nordestino um terreno fértil para se alastrar sem controle.
No coração do Ceará — onde a carnaúba é mais do que uma planta, mas símbolo de identidade cultural e base econômica para milhares de famílias — essa trepadeira vem sufocando palmeiras, bloqueando a entrada de luz e comprometendo a produção de um dos ativos naturais mais preciosos do país: a cera de carnaúba.
O avanço da invasora sobre os carnaubais cearenses
A presença da unha-do-diabo em áreas de carnaubais já atinge níveis alarmantes em municípios como Granja e Jaguaruana, onde mais de 70% das áreas estão invadidas. Enrolando-se em torno do tronco da carnaúba, a planta forma uma espécie de cárcere verde, impossibilitando a realização da fotossíntese, o que leva à asfixia e à morte da palmeira. Além disso, a copa da carnaúba — rica em folhas que servem à extração artesanal da cera — fica completamente encoberta, dificultando o acesso dos extrativistas.
Esse impacto não é apenas físico. A trepadeira exala um látex tóxico, que pode contaminar o solo e provocar irritações em trabalhadores, tornando o corte manual ainda mais perigoso. “É uma planta extremamente densa, que cria barreiras naturais e atrapalha não só a coleta da palha, mas também o trânsito de animais e pessoas nas áreas de produção”, relatam técnicos que atuam na zona rural do Baixo Jaguaribe.
Ameaça invisível à biodiversidade da Caatinga
Mais do que um entrave à cadeia da carnaúba, a proliferação da Cryptostegia representa uma ruptura no delicado equilíbrio da Caatinga. Com crescimento rápido e agressivo, a espécie consome recursos hídricos escassos e expulsa outras plantas nativas do ecossistema, reduzindo a oferta de alimento e abrigo para aves e mamíferos. Esse efeito dominó afeta a regeneração natural dos carnaubais e compromete processos ecológicos fundamentais, como a polinização.
Com isso, não é apenas a carnaúba que está em risco, mas também um conjunto de espécies que depende diretamente das condições criadas por esses ambientes. Além disso, a substituição de uma vegetação típica por uma planta exótica quebra as cadeias alimentares locais, com potenciais consequências a longo prazo ainda pouco compreendidas.
Impactos socioeconômicos para milhares de famílias
A carnaúba (Copernicia prunifera) é uma das espécies mais valiosas da flora nordestina. Conhecida como “árvore da vida”, é dela que se extrai a famosa cera de carnaúba, matéria-prima utilizada em segmentos tão diversos quanto farmacêutico, alimentício, automobilístico e cosmético. O Ceará lidera a produção e exportação no país, com uma média de 16 mil toneladas exportadas por ano, movimentando uma cadeia produtiva que emprega cerca de 90 mil trabalhadores diretamente apenas durante a safra.
No entanto, essa estrutura está ameaçada. A expansão descontrolada da unha-do-diabo afeta diretamente a colheita da palha, essencial para a produção da cera. Em muitos casos, famílias inteiras que vivem da atividade — e que já enfrentam condições sociais vulneráveis — veem seu sustento desaparecer. “O combate à planta é manual, feito com foice ou fogo, o que além de ser perigoso é pouco eficiente para o controle em larga escala”, afirmam pesquisadores que acompanham a situação no campo.
Soluções em teste: combate biológico e monitoramento
Com a resistência da espécie aos métodos convencionais de controle, pesquisadores voltaram os olhos para o controle biológico. Um dos caminhos mais promissores envolve o uso do fungo Maravalia cryptostegiae, também originário de Madagascar. Já testado com sucesso em outros países para conter a planta, o fungo vem sendo estudado em áreas piloto no Ceará, com foco em soluções sustentáveis e de baixo impacto ambiental.
A expectativa é de que, com o tempo, esse tipo de intervenção reduza o avanço da trepadeira sem comprometer ainda mais a flora nativa. No entanto, a aplicação ainda está em fase experimental e requer apoio institucional para que possa ser replicada de forma eficaz nos municípios mais afetados.
 


