A pecuária brasileira enfrenta um desafio crescente que ameaça diretamente a produtividade dos rebanhos: a resistência dos carrapatos aos defensivos comerciais. No Rio Grande do Sul, um estudo recente revelou dados preocupantes. Sete carrapaticidas amplamente utilizados no mercado foram avaliados em propriedades rurais do Estado — e todos apresentaram resistência elevada por parte dos parasitas, sendo que um deles mostrou 100% de ineficácia.
O cenário acende um alerta entre pecuaristas, técnicos e pesquisadores, já que a infestação por Rhipicephalus (Boophilus) microplus, espécie mais comum no país, compromete a sanidade dos bovinos e impõe prejuízos econômicos significativos.
Resistência além das fronteiras
A pesquisa faz parte de um esforço conjunto entre instituições nacionais e internacionais para compreender o alcance da resistência. Além de envolver a Secretaria da Agricultura do RS, o projeto tem participação da Universidade da Carolina do Norte e de representantes do Uruguai e da Argentina, que também relataram dificuldades semelhantes.
A crescente ineficácia dos produtos tradicionais levanta uma questão crítica: a dependência de tratamentos químicos precisa ser revista com urgência. Segundo a zootecnista e consultora em manejo parasitário, Luciana Grecco, o uso repetitivo de princípios ativos sem monitoramento técnico acelera o processo de seleção dos carrapatos resistentes. “Os parasitas sobreviventes da aplicação transmitem essa resistência às próximas gerações, tornando o controle cada vez mais difícil”, explica.
O erro não está só no produto
A falsa sensação de segurança ao aplicar carrapaticidas rotineiramente pode, na verdade, estar contribuindo para o agravamento do problema. Muitos produtores utilizam os produtos como única estratégia, sem testar sua eficácia real ou avaliar corretamente o nível de infestação. De acordo com Carlos Lima, médico-veterinário com atuação em controle biológico, um dos maiores erros é ignorar os testes de sensibilidade.
“É essencial identificar qual princípio ativo ainda funciona no rebanho antes de aplicar. Caso contrário, a aplicação é inútil e ainda pressiona a seleção de resistência”, afirma o especialista.
Manejo integrado: o único caminho viável
Diante do aumento da resistência, especialistas defendem com ênfase o manejo integrado do carrapato, que combina medidas químicas, estratégicas, biológicas e ambientais. Tratar apenas os animais mais infestados, respeitar os intervalos entre aplicações, alternar produtos com princípios ativos diferentes e investir na melhoria do pasto são ações que reduzem a pressão seletiva e desaceleram a resistência.
Carlos Lima acrescenta que o isolamento e tratamento de animais recém-chegados à propriedade também é uma etapa crucial no processo de prevenção. “O trânsito de bovinos sem controle é um vetor silencioso da resistência. Muitas vezes, os carrapatos resistentes são introduzidos de fora”, alerta.
Testes gratuitos e soluções acessíveis
Para auxiliar os produtores a enfrentarem o problema com embasamento técnico, a Secretaria da Agricultura do RS oferece gratuitamente o biocarrapaticidograma, um exame que identifica quais produtos ainda são eficazes em cada propriedade. A partir desse diagnóstico, o controle pode ser mais assertivo, econômico e sustentável. Luciana Grecco reforça que a simples troca de produto não resolve o problema. “É preciso tratar o rebanho com inteligência, e não com volume. Cada aplicação deve fazer parte de uma estratégia maior”, pontua.
Impactos reais na pecuária
Além do estresse nos animais e da queda no ganho de peso, a infestação por carrapatos resistentes pode abrir portas para doenças graves, como a tristeza parasitária bovina. Os prejuízos econômicos se acumulam de forma silenciosa, seja pela redução da produtividade ou pelos gastos com tratamentos ineficazes. Diante de um inimigo adaptável, o conhecimento técnico e o manejo planejado se tornam os únicos aliados realmente confiáveis.