Nem tudo o que reluz é ouro — e, no mundo das abelhas, nem tudo o que brilha é uma ameaça. Em florestas, matas e até em jardins do Brasil, uma pequena joia voadora pode ser facilmente confundida com uma mosca.
Com seu corpo metálico em tons de azul, verde ou violeta, a abelha-azul, ou abelha-das-orquídeas, é uma espécie nativa essencial para a preservação de várias plantas tropicais, especialmente orquídeas. No entanto, justamente por sua aparência incomum, ela ainda é mal compreendida e, em alguns casos, prejudicada por engano.
A singularidade das abelhas azuis e seu papel na natureza
Pertencentes aos gêneros Euglossa e Eulaema, essas abelhas se destacam não apenas pela coloração cintilante, mas também por hábitos de vida únicos. Ao contrário das abelhas melíferas, vivem solitárias, sem formar colônias nem produzir mel. No entanto, sua contribuição ao meio ambiente é imensa: os machos coletam fragrâncias de flores — em especial das orquídeas — e armazenam essas essências em pequenas estruturas nas pernas.

Esse comportamento, que pode parecer curioso à primeira vista, é um mecanismo de atração sexual. E é justamente nesse ritual que a mágica da polinização acontece. De acordo com o biólogo Rafael Mello, especialista em ecologia de insetos, esse hábito é fruto de uma longa coevolução entre as abelhas e as orquídeas.
“As flores dessas plantas são adaptadas para liberar fragrâncias específicas, e os machos das abelhas as reconhecem à distância. Ao pousarem e coletarem essas substâncias, acabam transportando o pólen de uma flor à outra, promovendo o cruzamento genético e garantindo a reprodução da espécie”, explica.
Além das orquídeas, as abelhas azuis também visitam outras flores nativas e até algumas culturas agrícolas, contribuindo para a manutenção da biodiversidade e, em alguns casos, da produtividade de lavouras que dependem de polinizadores.
Onde vivem e por que estão ameaçadas
Essas abelhas são típicas de ambientes tropicais úmidos, como florestas da Mata Atlântica e da Amazônia, mas também podem ser vistas em áreas mais abertas, desde que haja vegetação nativa remanescente. Mesmo em pequenas propriedades rurais, a presença de fragmentos de mata, árvores isoladas ou jardins floridos já é suficiente para garantir abrigo e alimento.
Porém, a sua semelhança com moscas-varejeiras — tanto no tamanho como na aparência metálica — pode ser fatal. “É muito comum que sejam vistas como pragas ou confundidas com moscas indesejadas. Algumas pessoas até tentam eliminá-las por medo ou falta de conhecimento”, alerta a engenheira agrônoma Simone Dias, que trabalha com conservação de polinizadores no interior de São Paulo.

A ameaça também vem dos agrotóxicos, especialmente os inseticidas de amplo espectro, que afetam tanto pragas quanto insetos benéficos. Segundo Simone, práticas mais conscientes de manejo, como o uso do Manejo Integrado de Pragas (MIP), são essenciais para garantir a preservação das espécies nativas.
O que produtores e jardineiros podem fazer
A boa notícia é que proteger a abelha-azul exige mais sensibilidade do que esforço. Manter áreas com vegetação nativa, plantar espécies floríferas ao longo do ano e evitar o uso excessivo de venenos são atitudes fundamentais. Cavidades em árvores, troncos em decomposição e até pequenos abrigos de madeira podem servir de ninho para fêmeas de Euglossini.
Simone também recomenda incluir no paisagismo espécies que atraem essas abelhas. “Orquídeas, helicônias, lírios-do-brejo e algumas espécies do gênero Canna são excelentes fontes de fragrância e néctar. Um jardim biodiverso é uma rede viva que se autorregula e se fortalece. Elas são bioindicadoras. Onde há abelhas das orquídeas, há diversidade, há flor, há vida”, explica.