Ícone da paisagem paranaense e símbolo da identidade local, a Araucaria angustifolia, mais conhecida como araucária ou pinheiro-do-paraná, enfrenta uma ameaça silenciosa e persistente: o avanço das mudanças climáticas. Um levantamento conduzido pelo NAPI Biodiversidade – Serviços Ecossistêmicos, em parceria com o Centro de Computação Científica e Software Livre (C3SL) da Universidade Federal do Paraná (UFPR), projeta um futuro dramático. Em cenários pessimistas de aquecimento global, a araucária poderá simplesmente desaparecer do território paranaense até o final deste século.
Segundo os pesquisadores, as temperaturas mais altas devem reduzir drasticamente a área climática adequada à sobrevivência de diversas espécies nativas do estado. Entre elas, a própria araucária e também a erva-mate, ambas centrais à cultura, à economia e à biodiversidade do sul do Brasil. De acordo com Victor Zwiener, pesquisador do Departamento de Biodiversidade da UFPR em Palotina, “à medida que a temperatura sobe, os impactos sobre a biodiversidade se intensificam de forma acelerada, não linear. Pequenas diferenças, como entre 2,9°C e 3,5°C, podem determinar se uma espécie sobrevive ou desaparece localmente”.
Perda de habitat, cultura e equilíbrio ecológico
A extinção da araucária não representaria apenas o fim de uma árvore. A perda da espécie comprometeria relações ecológicas complexas, como a dispersão de sementes feita pela gralha-azul, ave também simbólica da região. Com menos árvores, há menos alimento, menos abrigo, menos biodiversidade. Zwiener ressalta que anfíbios, plantas e répteis estão entre os grupos mais vulneráveis ao aquecimento: “Até metade das espécies pode perder mais de 50% de seu habitat. Em cenários mais severos, até 15% delas podem desaparecer localmente. Seria uma perda irreversível para os ecossistemas do Paraná”.

As regiões mais críticas nesse processo são os Campos Gerais e a floresta estacional, principalmente nas bacias dos rios Paraná e Paranapanema, que podem enfrentar aumento de temperatura de até 5,3°C nas próximas décadas. O estudo frisa que esses dados consideram apenas o impacto climático — sem incluir o desmatamento, que agrava ainda mais a vulnerabilidade das espécies.
Erva-mate, polinizadores e colapso ambiental
A situação da erva-mate (Ilex paraguariensis), planta central na economia e tradição local, também é alarmante. O estudo mostra que ela pode perder até 68% das áreas aptas para cultivo em cenários extremos. Como explica Weverton Trindade, pesquisador do Departamento de Botânica da UFPR, os efeitos vão além da perda de lavouras: “A redução de polinizadores e anfíbios pode desequilibrar ecossistemas inteiros, aumentar o uso de agrotóxicos e impactar diretamente a saúde ambiental e humana”. Em outras palavras, o desaparecimento dessas espécies pode desencadear uma cadeia de efeitos nocivos que alteram o modo de vida em comunidades rurais, florestas e centros urbanos.
Além do prejuízo cultural e econômico, há um alerta importante: essas espécies são adaptadas a climas específicos, e não há garantia de que resistirão ao calor ou conseguirão se estabelecer em novas áreas.
Tecnologia a serviço da conservação
A grandiosidade da pesquisa se explica também pela complexidade dos dados. Para avaliar os impactos climáticos sobre a biodiversidade, os cientistas modelaram a distribuição de quase 10 mil espécies nativas do Paraná, entre plantas, aves, mamíferos, répteis, anfíbios e peixes. Esse trabalho, inédito em escala estadual, só foi possível graças ao uso do supercomputador do C3SL, que processou mais de 60 milhões de registros e 200 GB de informações para gerar projeções detalhadas por espécie e por região.
“O computador de alto desempenho do C3SL está disponível para demandas da comunidade acadêmica. Nossa missão é democratizar o acesso a essa infraestrutura para acelerar pesquisas em diferentes áreas”, afirma o professor Marco Zanata, pesquisador do C3SL. Já Zwiener complementa: “Essa capacidade computacional nos permitiu testar múltiplos cenários, aprimorar os métodos e entregar resultados robustos, essenciais para orientar políticas públicas e ações de conservação”.
O alerta é real, mas o destino ainda está em nossas mãos
Embora o panorama pareça sombrio, os pesquisadores ressaltam que os dados representam tendências, e não condenações definitivas. Ainda há registros de araucárias crescendo em estados como Espírito Santo e Bahia, o que demonstra alguma resiliência da espécie. No entanto, como pontua Weverton Trindade, “não sabemos se essas árvores isoladas são capazes de se reproduzir e manter populações viáveis. As projeções não significam que todas as espécies vão desaparecer, mas apontam caminhos que podem e devem ser evitados”.
A proteção da biodiversidade exige ação imediata: restaurar áreas degradadas, ampliar e fortalecer as Unidades de Conservação, criar corredores ecológicos e promover políticas públicas robustas que integrem meio ambiente e desenvolvimento. Sem isso, o futuro da floresta com araucárias pode permanecer apenas nas lembranças — ou nos livros de história.
 


