Cultivar hortaliças em casa pode ser um prazer diário — até que uma ameaça pouco visível comece a se espalhar entre as folhas tenras da alface. A podridão negra, uma das doenças mais temidas por horticultores, costuma chegar de forma discreta, mas pode causar perdas severas se não for reconhecida e combatida rapidamente. Aliás, sua presença é mais comum do que se imagina, especialmente em climas quentes e úmidos, típicos de muitas regiões brasileiras.
Tratar o problema exige mais do que boa vontade: é preciso conhecer o inimigo de perto, entender o ambiente que favorece seu aparecimento e saber agir no momento certo. A boa notícia é que, com o manejo correto, é possível proteger a lavoura e garantir uma colheita saudável.
O que é a podridão negra na alface?
A podridão negra, ou Xanthomonas campestris pv. vitians, é uma bactéria que afeta diretamente as folhas da alface. O ataque começa com pequenas manchas escuras nas margens foliares, que rapidamente evoluem para áreas necrosadas em formato de “V”, com coloração castanha ou quase preta. Essas lesões avançam em direção ao centro da folha e comprometem toda a planta, prejudicando não só a estética, mas também a viabilidade de consumo ou venda.
Segundo a engenheira agrônoma Letícia Rosalem, especialista em fitopatologia de hortaliças, o grande desafio da podridão negra está na sua rapidez de disseminação. “Basta uma irrigação por aspersão ou um vento úmido para que a bactéria se espalhe entre os canteiros, especialmente se houver plantas feridas ou estressadas”, explica.
Além disso, o excesso de nitrogênio no solo, a falta de rotação de culturas e o plantio muito adensado criam um cenário perfeito para o surgimento da doença. Climas mais úmidos e períodos de chuvas frequentes também favorecem sua incidência, tornando os meses mais quentes do ano um verdadeiro teste de resistência para quem cultiva alface.
Como identificar os primeiros sinais na planta
A observação atenta é a melhor ferramenta do produtor. Os primeiros sintomas surgem como pequenas manchas escuras, que muitas vezes são confundidas com queima natural ou lesões por excesso de sol. Entretanto, a evolução rápida dessas manchas para áreas necrosadas, seguidas de mau cheiro e murchamento precoce da planta, revelam um quadro clássico da podridão negra.
De acordo com o produtor orgânico Renato Meneghetti, que cultiva hortaliças em sistema agroecológico, o segredo está no acompanhamento diário da horta. “Quando percebo qualquer folha escurecida nas bordas, já isolo a planta e evito que o restante da fileira seja atingido. O diagnóstico rápido é crucial para conter o avanço”, afirma.
Outro sinal de alerta é o escurecimento do ponto de inserção do caule. Essa área costuma apodrecer em casos mais graves, afetando a estrutura inteira da planta.
Manejo e estratégias de controle
Ao identificar a doença, o primeiro passo é remover imediatamente as plantas afetadas, inclusive as folhas caídas próximas ao solo. O ideal é queimá-las ou descartá-las longe da horta, já que a bactéria pode sobreviver nos restos vegetais e infectar novas mudas.
Além disso, é fundamental suspender temporariamente a irrigação por aspersão e adotar sistemas de gotejamento, que reduzem a umidade nas folhas — um dos principais fatores de proliferação do patógeno. Aumentar o espaçamento entre as plantas e realizar a rotação de culturas com espécies não suscetíveis, como cenoura ou beterraba, também são estratégias eficazes.
No caso de infestações recorrentes, o uso de biofungicidas à base de cobre ou extratos naturais pode ser adotado com orientação técnica. “O uso racional de caldas bordalesas, por exemplo, pode ajudar no controle bacteriano, mas é importante seguir as recomendações e nunca aplicar durante o dia muito quente, para não queimar as folhas”, alerta Letícia.