No coração do Semiárido nordestino, onde a escassez hídrica desafia há décadas a produção agrícola e a segurança alimentar, uma nova iniciativa surge como resposta concreta e promissora. A agricultura biossalina, prática que reaproveita águas salobras e resíduos do processo de dessalinização, desponta como uma alternativa sustentável, econômica e tecnicamente viável para transformar a salinidade em aliada da produtividade.
Durante o Semiárido Show 2025, realizado em Petrolina (PE), foi oficialmente lançado o projeto Sal da Terra — uma proposta arrojada que integra pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico e capacitação social. Com previsão de mobilizar cerca de R$ 20 milhões, o projeto é coordenado pela Embrapa Semiárido, em colaboração com outros centros da empresa e com a Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Sua missão é clara: utilizar o potencial da agricultura biossalina para ampliar o acesso à água, fortalecer a produção de alimentos e gerar renda de forma adaptada às condições do Semiárido brasileiro.
Dessalinização e aproveitamento produtivo da salinidade
A base da agricultura biossalina está no uso racional de recursos considerados problemáticos — como águas com alta concentração de sais e solos degradados pela salinização — e na reconversão desses elementos em insumos produtivos. Nesse sentido, o projeto atua em duas frentes complementares: pesquisa científica e transferência de tecnologia.
Na vertente da pesquisa, o foco está na reestruturação da área experimental de agricultura biossalina da Embrapa Semiárido, onde são conduzidos estudos com plantas alimentícias e forrageiras tolerantes ao sal, desenvolvimento de microalgas para alimentação animal, e monitoramento rigoroso da qualidade do solo e da água. Tudo isso visa encontrar soluções agrícolas resilientes às condições adversas da região, com especial atenção ao reaproveitamento do concentrado salino resultante da dessalinização.
Campo, ciência e capacitação unidos pela inovação
Na outra ponta do projeto, a atuação se concentra na capacitação e inclusão das comunidades locais. Técnicos e pesquisadores desenvolvem diagnósticos participativos junto a agricultores, promovem treinamentos em tecnologias biossalinas e implantam unidades produtivas demonstrativas. Nessas áreas, ganham destaque sistemas já consolidados, como o cultivo de tilápias em águas salobras e o plantio da erva-sal — planta adaptada naturalmente a solos com alta salinidade.
A meta é clara: transformar conhecimento científico em práticas replicáveis e acessíveis. Além disso, ao integrar a biossalinidade à cadeia produtiva local, o projeto fortalece a geração de renda, sobretudo em comunidades tradicionalmente impactadas pela seca e pela limitação de recursos hídricos.
Política pública, pesquisa aplicada e impacto social
A origem do projeto remonta à 10ª edição do Semiárido Show, em 2023, quando os debates sobre sinergia entre agricultura biossalina e o Programa Água Doce — política pública voltada à implantação de dessalinizadores em comunidades rurais — ganharam força. A partir dali, o projeto foi incorporado ao Programa de Ciência, Tecnologia e Inovação para Segurança Alimentar e Erradicação da Fome, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
Com duração de três anos, a iniciativa conta com financiamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento de Ciência e Tecnologia (FNDCT) e é operacionalizada pela Finep e pela Funarbe. A contratação ocorreu via encomenda tecnológica — uma modalidade que privilegia instituições com expertise reconhecida. No caso, a escolha da Embrapa foi natural: a empresa já acumula décadas de experiência com pesquisas voltadas à agricultura em ambientes salinos, consolidando-se como referência no tema.