A proposta de privatização das inspeções ante e post mortem de animais destinados ao abate tem repercutido de forma intensa fora do Brasil. Com quase 600 publicações em veículos da Europa e dos Estados Unidos, a cobertura estrangeira reflete um movimento crescente de alerta internacional quanto aos riscos sanitários, ambientais e econômicos atrelados à iniciativa. Juntas, essas matérias já somam mais de 140 milhões de visualizações — número que evidencia a dimensão da preocupação global diante do futuro do sistema brasileiro de segurança alimentar.
O centro do debate gira em torno da Lei do Autocontrole (Lei nº 14.515/2022), sancionada no Brasil como parte de uma promessa de “modernização” da fiscalização agropecuária. Entretanto, a medida tem causado inquietação entre entidades e especialistas, ao permitir que os próprios frigoríficos contratem os médicos-veterinários responsáveis pela inspeção dos animais. Atualmente, essa função é exercida por auditores fiscais federais agropecuários, servidores públicos concursados que atuam com autonomia técnica e isenção funcional.
Ao transferir a responsabilidade da inspeção para profissionais remunerados diretamente pelas empresas do setor, a proposta acende um sinal de alerta sobre um possível conflito de interesses — cenário que, segundo críticos da medida, pode comprometer não apenas a integridade do sistema de vigilância sanitária, mas a saúde de milhões de consumidores no Brasil e no mundo.
Segundo o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (Anffa Sindical), a mudança representa uma ameaça real aos padrões de qualidade e segurança alimentar construídos ao longo de décadas, colocando em risco a credibilidade do agronegócio brasileiro diante de 157 países importadores. A entidade reforça que países desenvolvidos mantêm o controle sanitário sob gestão do Estado justamente para garantir neutralidade e prevenir fraudes, contaminações ou negligências que possam afetar o bem-estar coletivo.
A repercussão internacional tem reforçado o debate em torno da proposta. Grandes veículos da imprensa especializada vêm abordando não apenas os riscos à saúde pública, mas também os impactos sobre bem-estar animal — tema sensível que ganha força em uma era de consumidores mais atentos às práticas de produção. Para organizações de proteção animal como a Animal Equality Brasil, a ausência de uma fiscalização estatal efetiva pode abrir margem para violações ainda existentes em parte dos abatedouros nacionais, como abates cruéis, negligência com o manejo e ausência de protocolos humanitários.
O Anffa Sindical já moveu ação judicial para tentar barrar a regulamentação da proposta. A entidade argumenta que a medida fere princípios constitucionais, ao delegar a um setor privado o poder de fiscalizar a si próprio — o que pode gerar distorções, ocultar falhas graves e reduzir a rastreabilidade de produtos de origem animal, algo essencial tanto para o mercado interno quanto para o comércio exterior.
Em um contexto em que o Brasil busca consolidar sua imagem como fornecedor confiável de alimentos de alta qualidade, a privatização das inspeções representa uma inflexão preocupante. O temor é de que a flexibilização do controle abra precedentes perigosos, fragilizando o sistema sanitário nacional e gerando reações comerciais internacionais, como embargos ou restrições, que podem causar prejuízos irreparáveis ao setor exportador.
Diante disso, o que está em jogo não é apenas a eficiência administrativa, mas o próprio prestígio sanitário do país. A confiança construída com esforço ao longo de décadas por órgãos públicos e técnicos especializados pode ser desfeita em poucos atos, num retrocesso com impactos que extrapolam fronteiras e comprometem o futuro do agronegócio brasileiro como referência mundial em sanidade e segurança alimentar.



