O uso racional da água tornou-se uma das pautas centrais na pecuária moderna, especialmente diante do avanço das mudanças climáticas. Um estudo desenvolvido pela Embrapa Pecuária Sudeste, em parceria com instituições de pesquisa da Alemanha, demonstrou que a produção de leite pode reduzir em até 70% o consumo de água quando há eficiência no manejo e boas práticas produtivas.
A pesquisa destacou que o equilíbrio entre produtividade agrícola, manejo dos dejetos e gestão das rotinas na fazenda é o caminho mais viável para conciliar rentabilidade e sustentabilidade.
Eficiência que começa no campo
O levantamento analisou 67 propriedades rurais no município de Lajeado Tacongava, no Rio Grande do Sul — área que representa mais de 80% das fazendas da bacia hidrográfica local. Dentre elas, 57 adotavam o sistema a pasto, sete eram semi-confinadas e três totalmente confinadas. Ao todo, os pesquisadores testaram 192 combinações de boas práticas aliadas a diferentes cenários climáticos, resultando em uma média de 704 litros de água por quilo de leite corrigido para proteína e gordura. Esse índice, no entanto, variou entre 299 e 1.058 litros, conforme o tipo de manejo e a eficiência produtiva de cada fazenda.
Os dados revelam que a produtividade é o principal fator de impacto sobre a chamada “pegada hídrica” — conceito que mede toda a água, direta e indireta, utilizada na produção. Quando as vacas produzem mais leite e o alimento é cultivado de forma eficiente, o volume total de água necessário para cada litro diminui de forma significativa.
Água verde, azul e cinza: uma leitura sobre o consumo
O estudo avaliou três categorias de uso da água. A água verde, que corresponde à umidade natural do solo usada no crescimento das forrageiras e do milho, representou quase 99% do total da pegada hídrica. Já a água azul, proveniente de rios e lençóis freáticos, é aplicada em atividades como dessedentação dos animais, resfriamento e limpeza. Por fim, a água cinza está relacionada à diluição de poluentes — especialmente os nitratos — presentes nos efluentes utilizados como fertilizantes.
Os resultados mostram que a eficiência agrícola é o maior vetor de economia hídrica, superando inclusive o impacto direto da ordenha ou do consumo animal. Ao elevar em 25% os rendimentos do milho e da soja, por exemplo, é possível reduzir drasticamente a necessidade total de água. O tratamento adequado dos dejetos, a redução no uso de água durante a ordenha e o aumento da produção individual por vaca também se destacaram como medidas-chave para alcançar resultados expressivos.
O efeito do clima sobre a pecuária leiteira
As projeções feitas pelos pesquisadores indicam que o aquecimento global tende a ampliar a pegada hídrica nos sistemas produtivos, tanto na categoria verde quanto na azul. Isso ocorre porque as temperaturas mais altas aumentam a evapotranspiração e reduzem a produtividade agrícola. Em cenários simulados com elevação de até 2,5 °C, a pegada hídrica azul cresceu de 1% a 2%.
Mesmo diante dessas condições, o estudo reforça que a eficiência produtiva ainda é o fator mais determinante. Nos sistemas confinados, em que há maior controle sobre a dieta e a nutrição, a média variou entre 562 e 950 litros de água por quilo de leite — índice inferior ao observado em propriedades a pasto, resultado da melhor conversão alimentar e da redução das perdas no processo.
Produção sustentável e metas globais
A pesquisa integra o esforço da Embrapa para atender aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas, especialmente aqueles ligados à produção responsável (ODS 12), ação climática (ODS 13) e agricultura resiliente (ODS 2). O estudo reforça que a sustentabilidade hídrica na pecuária é tecnicamente possível, desde que o manejo agrícola e zootécnico caminhem juntos.
Com base nas conclusões, o uso eficiente da água não é apenas uma exigência ambiental, mas também uma estratégia de competitividade para o setor leiteiro. Ao associar inovação, pesquisa e boas práticas, o produtor pode garantir menor impacto ambiental, melhor rentabilidade e maior resiliência diante das mudanças climáticas — consolidando o Brasil como referência em produção sustentável de leite.


