Resumo
• O IBGE apresenta uma nova regionalização ecológica do Brasil, baseada em critérios naturais que revelam 52 domínios e 271 regiões distribuídas entre biomas continentais, costeiros e ilhas oceânicas.
• O estudo reconstrói paisagens originais a partir de dados geoespaciais, clima, hidrografia e vegetação, criando uma leitura detalhada da diversidade ambiental do território brasileiro.
• A proposta oferece base estratégica para políticas públicas, estatísticas ambientais, gestão da biodiversidade e definição de áreas prioritárias para conservação e unidades de proteção.
• Biomas como Amazônia, Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pantanal e Pampa são analisados em profundidade, revelando variações internas de relevo, solos, vegetação e dinâmicas ecológicas.
• A nova abordagem reforça a compreensão de que biomas não são homogêneos e que domínios e regiões naturais permitem interpretar o país a partir de sua estrutura ecológica real.
Em vez de enxergar o Brasil apenas como um conjunto de estados e municípios, o IBGE propõe agora um olhar que segue os contornos da própria natureza. A investigação geocientífica experimental “Domínios e Regiões Naturais Terrestres dos Biomas do Brasil” apresenta uma regionalização inédita do território nacional baseada em critérios físicos, ecológicos e ambientais, aproximando o mapa oficial do país do desenho real de seus biomas.
O estudo será apresentado na Casa Brasil IBGE COP-30, em Belém, no dia 27 de novembro, às 9h, com transmissão ao vivo pelo YouTube, e marca um avanço importante na forma como o território é caracterizado para fins estatísticos e de planejamento. Em vez de partir de limites político-administrativos, a proposta se ancora em relevo, solos, clima, hidrografia e tipos de vegetação para mostrar como o Brasil se organiza em grandes unidades naturais e em recortes mais finos dentro de cada bioma.
Assim, o país que costuma ser lido por fronteiras traçadas em linhas retas passa a ser compreendido a partir da sinuosidade dos rios, da variação da vegetação, da alternância de planaltos e planícies e da enorme diversidade ecológica que caracteriza cada região.
Domínios e regiões naturais: a arquitetura ecológica do país
O coração da proposta está na distinção entre domínios naturais e regiões naturais. Os domínios correspondem às grandes áreas com combinações semelhantes de fatores físico-bióticos, como clima, formas de relevo, tipos de solo e fisionomias de vegetação. Dentro deles, as regiões naturais refinam ainda mais o recorte, detalhando transições, variações locais e ambientes singulares.
No total, o estudo identifica 52 domínios naturais em todo o território brasileiro, incluindo o sistema costeiro e as ilhas oceânicas. Desse conjunto, 43 domínios estão em áreas continentais, 8 pertencem ao sistema costeiro e 1 reúne as ilhas oceânicas. Quando esse desenho é aprofundado para um nível mais detalhado, surgem 271 regiões naturais: 183 correspondem às áreas nucleares da paisagem, isto é, às porções mais típicas de cada domínio, enquanto 63 estão situadas em faixas de transição, geralmente marcadas pelo encontro de biomas distintos. As zonas costeiras respondem por 19 regiões, e as ilhas oceânicas, por 6.
Esse mosaico natural abrange todos os biomas brasileiros, do porte monumental da Amazônia às paisagens campestres do Pampa, passando pelas áreas úmidas do Pantanal, pelos campos e savanas do Cerrado e pelas formações florestais e costeiras da Mata Atlântica. Além disso, inclui o conjunto de ilhas oceânicas, cuja configuração ambiental exige tratamento próprio.
A base técnica: geodados, clima e reconstrução da paisagem original
Para sustentar essa nova leitura do território, o IBGE recorreu ao Banco de Dados e Informações Ambientais (BDiA), que reúne bases geoespaciais contínuas do país, articuladas com informações de clima e hidrografia. Não se trata apenas de mapear a vegetação observada hoje, mas de buscar a condição natural de referência das paisagens.
Em muitas áreas, a cobertura vegetal foi alterada por atividades humanas. Nesses casos, o estudo reconstruiu a situação original com base em classificações de vegetação, modelos ambientais e evidências disponíveis, o que permite interpretar os biomas a partir de sua estrutura ecológica essencial, e não apenas do uso atual da terra. Assim, o mapa resultante funciona como um retrato técnico da organização natural do território, mesmo em contextos de transformação intensa.
Essa abordagem torna o produto particularmente valioso para estudos de capital natural, contabilidade de ecossistemas, avaliação de serviços ambientais e comparação de cenários de uso do solo ao longo do tempo.
Ferramenta para políticas públicas, conservação e estatísticas ambientais
A regionalização ecológica proposta pelo IBGE não é apenas um exercício conceitual. Ela nasce com vocação para orientar políticas públicas, pesquisas e tomada de decisão em múltiplas frentes. Ao conectar biomas, domínios naturais e regiões em uma mesma linguagem cartográfica, o estudo oferece uma base de referência para:
Apoiar a produção de estatísticas ambientais, sociais e econômicas, permitindo recortes alinhados à realidade ecológica do território.
Contribuir para a contabilidade do capital natural, com ênfase nos ecossistemas e sua capacidade de prestar serviços ambientais. Subsidiar a criação, revisão e redefinição de unidades de conservação e geoparques, já que ajuda a identificar áreas singulares e zonas de transição relevantes para a biodiversidade. Fortalecer a gestão ambiental e os estudos de biodiversidade, inclusive na identificação de áreas de endemismo de flora e fauna e na avaliação de conectividade entre habitats.
Por isso, a pesquisa se conecta diretamente a agendas estratégicas, como a construção de políticas de agricultura de baixo carbono, a adaptação às mudanças climáticas e o cumprimento de metas internacionais de conservação.
Biomas florestais: Amazônia e Mata Atlântica sob múltiplas camadas
Ao aplicar o método de domínios e regiões naturais à escala dos biomas, o estudo mostra que não há homogeneidade interna, mesmo em áreas amplamente reconhecidas por sua fisionomia predominante. A Amazônia, por exemplo, é majoritariamente florestal, mas essa condição geral se desdobra em diferentes combinações de relevo, solos e tipos de vegetação que exigem recortes específicos.
Nesse bioma, a investigação identifica 16 domínios naturais, sendo 15 continentais e 1 costeiro, e um total de 97 regiões naturais. As Florestas Ombrófilas Densas e Abertas se distribuem sobre planaltos e depressões dos Escudos das Guianas e do Brasil Central, bem como sobre as bacias do Amazonas, Solimões e Parecis. Essas formações se combinam com Florestas Estacionais Sempre-Verdes e Semideciduais, que se ajustam a diferentes variações de clima e solo.
Há ainda paisagens mais específicas, como as Campinaranas, desenvolvidas sobre sedimentos quaternários na Bacia do Içá, e as Savana e Savana Estépica da Amazônia Setentrional, vinculadas às bacias de Boa Vista e às vertentes do Monte Roraima. No sistema costeiro amazônico, o estudo abrange desde o rio Oiapoque até o Golfão Maranhense, incluindo a foz do Amazonas, a ilha de Marajó e extensos manguezais no Pará e no Maranhão.
Na Mata Atlântica, dominada por formações florestais em associação com ambientes costeiros, a pesquisa delimita 10 domínios naturais, sendo 6 continentais e 4 costeiros, que se desdobram em 57 regiões naturais. As Florestas Estacionais Semideciduais cobrem o Escudo Atlântico e os planaltos de Minas Gerais e Bahia, enquanto as Florestas Ombrófilas Densas avançam sobre os tabuleiros costeiros do Nordeste e acompanham a Serra do Mar no Sudeste. As Matas de Araucária marcam os planaltos basálticos do Sul, e as estepes surgem nos Campos Gerais.
No litoral, a diversidade de formas é expressiva: dunas, falésias, recifes, deltas, lagunas e estuários compõem um sistema costeiro contínuo do Rio Grande do Norte a Santa Catarina, com destaque para as áreas estuarinas de Paranaguá e Ribeira do Iguape e para as planícies lagunares do sul catarinense, na transição para o Pampa.
Biomas campestres e savânicos: a “Diagonal Seca” e os campos do Sul
Quando o olhar se volta para os biomas Caatinga, Cerrado e Pantanal, que, juntamente com o Pampa, formam o conjunto das paisagens campestres e savânicas do país, a diferenciação interna passa a refletir, sobretudo, a geodiversidade. A chamada Diagonal Seca Sazonal da América do Sul é um bom exemplo de como clima, relevo e solos se combinam em arranjos variados, ainda que marcados por vegetação mais aberta.
Na Caatinga, a regionalização aponta 8 domínios naturais e 35 regiões naturais. A vegetação é dominada por Savana-Estépica, que reveste solos rasos e pedregosos das depressões sertanejas, de planaltos e de tabuleiros pré-litorâneos. Ao mesmo tempo, emergem faixas de transição com a Mata Atlântica e o Cerrado, além de paisagens úmidas mais pontuais em áreas como as Chapadas Diamantina e do Araripe. No sistema costeiro semiárido, dunas e deltas ganham destaque, especialmente no litoral do Ceará e do Rio Grande do Norte.
No Cerrado, a marca principal é a Savana distribuída sobre relevos desenvolvidos em rochas do Escudo Atlântico e sobre amplas bacias sedimentares, cobrindo extensas áreas de Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. O estudo reconhece planaltos e chapadas emblemáticos, como o Planalto Central, as Chapadas dos Veadeiros, do Parnaíba, dos Guimarães, dos Gerais e dos Parecis, além da Serra da Canastra e dos Planaltos Meridionais. Em meio a esse conjunto, surgem planícies aluviais expressivas, como a da Ilha do Bananal. No sistema costeiro, o Cerrado inclui paisagens singulares como os Lençóis Maranhenses e o Delta do Parnaíba.
O Pantanal é descrito como um sistema de paisagens que se formam nas planícies de leques aluviais do Pantanal Mato-Grossense, onde a vegetação de Savana se articula com áreas de contato com Florestas Estacionais e Savana Estépica, indicando transições em direção ao Bioma Chaco. A dinâmica de cheias e secas e a variação de microrelevos conferem ao Pantanal uma diversidade interna que a regionalização busca captar com mais precisão.
No extremo Sul, o Pampa é recoberto por Estepes desenvolvidas sobre rochas da Bacia do Paraná. O bioma inclui a Depressão Central e é bordejado pelos planaltos da Campanha e das Missões, além de estender suas formações campestres sobre planaltos residuais do Escudo Sul-rio-grandense. No sistema costeiro, a ampla Planície Lagunar que abriga as lagoas dos Patos e Mirim, associada a dunas e restingas, completam o quadro de uma paisagem que combina campos, lagunas e ambientes costeiros em forte interação.
Biomas, domínios e regiões: uma leitura mais fina da diversidade brasileira
Ao discutir os resultados, pesquisadores do IBGE ressaltam que os biomas brasileiros não podem ser entendidos como blocos homogêneos. Eles têm características predominantes — florestais, savânicas, campestres ou úmidas —, mas são atravessados por variações locais marcadas por relevo, geologia e tipos de solo. É justamente essa combinação de elementos que orienta a definição dos domínios naturais e a subdivisão em regiões.
Na Amazônia, por exemplo, as 97 regiões naturais agrupadas em 16 domínios mostram como a floresta típica se estende de bacias sedimentares para áreas de escudo, sofrendo mudanças no relevo e nos solos ao longo do caminho. Dentro de cada domínio, pequenas variações de altitude, drenagem e substrato geológico produzem cenários distintos, que podem ter implicações diretas para a biodiversidade, o uso da terra e a oferta de serviços ambientais.
Ao agrupar uma ou mais regiões em um mesmo domínio, o conceito proposto pelo estudo cria uma espécie de “andar intermediário” entre o bioma e a paisagem local. Desse modo, torna-se possível articular informações ambientais, estatísticas socioeconômicas e instrumentos de planejamento em uma escala que é, ao mesmo tempo, suficientemente abrangente para captar processos regionais e detalhada o bastante para orientar ações específicas.
Um mapa ecológico para a era do clima e da biodiversidade
Ao propor uma regionalização ecológica do território brasileiro, o IBGE oferece um instrumento que dialoga diretamente com os desafios contemporâneos de clima, biodiversidade e desenvolvimento sustentável. Ao mesmo tempo em que continua a produzir estatísticas com base em estados e municípios, o país passa a dispor de um mapa capaz de revelar como os processos naturais se organizam no espaço.
Essa visão abre caminho para políticas mais ajustadas à realidade dos biomas, seja na criação de corredores ecológicos, na definição de estratégias de restauração, na gestão de recursos hídricos ou na implementação de práticas produtivas alinhadas à conservação. Assim, o território político-administrativo ganha uma camada adicional de leitura: um território natural, estruturado em domínios e regiões, que convida a repensar o planejamento sob a ótica da ecologia.



