Resumo
• O Herbário SPF da USP reúne mais de 270 mil exemplares prensados, formando uma verdadeira “biblioteca de plantas” usada em pesquisas sobre biodiversidade e impacto ambiental.
• Sua origem remonta à década de 1930, com a coleção de Wilson Hoehne, e cresceu com coletas pela Mata Atlântica e a incorporação de acervos históricos como o de Goro Hashimoto.
• O espaço preserva registros de espécies raras, algumas oriundas de áreas hoje inexistentes, tornando-se referência para estudos taxonômicos, biotecnológicos e de conservação.
• O fitotério do Instituto de Biociências complementa o herbário com coleções vivas, estufas e espécies como vitórias-régias, oferecendo um ambiente didático para ensino e pesquisa.
• As visitas ao fitotério são abertas ao público, enquanto o herbário recebe apenas visitas monitoradas; parte do acervo também está disponível online pelo Reflora.
O Instituto de Biociências (IB) da USP abriga um verdadeiro museu de plantas que vai muito além da contemplação. O Herbário SPF, como é conhecido internacionalmente, reúne um acervo impressionante, com mais de 270 mil exemplares de espécies coletadas ao longo de mais de nove décadas de história. Cada amostra prensada e desidratada guarda, em silêncio, informações sobre a flora brasileira e de outras regiões, servindo como ponto de partida para pesquisas que ajudam a entender a biodiversidade e os impactos das ações humanas sobre o ambiente.
Ao comentar o funcionamento desse tipo de acervo, o vice-curador Otávio Luis Marques da Silva costuma fazer uma comparação que aproxima o público da rotina da botânica: o herbário funciona como uma biblioteca, mas em vez de livros, são as plantas que ocupam as “prateleiras”. Primeiro, elas são coletadas em campo, depois prensadas, secas, identificadas e registradas com todo o histórico de origem. Assim, qualquer pesquisador pode consultar essas “páginas vegetais” e revisitar, por meio delas, paisagens que muitas vezes já não existem mais como eram quando o material foi coletado.
O que é, afinal, um herbário?
Um herbário é um espaço dedicado a reunir, organizar e preservar coleções de plantas desidratadas, geralmente prensadas em folhas de papel especial, acompanhadas de etiquetas com dados detalhados: local de coleta, altitude, data, nome do coletor e identificação científica. Esse cuidado transforma cada amostra em um documento histórico da vegetação de uma região.
Em muitas instituições pelo mundo, os herbários concentram exemplares coletados há séculos, que continuam sendo usados como referência até hoje. No caso do Herbário SPF, o processo não é diferente: o material serve de base para estudos de taxonomia, isto é, a classificação e a descrição das espécies, mas também alimenta pesquisas em ecologia, biogeografia e biotecnologia. É a partir desse tipo de acervo que se tornam possíveis comparações entre diferentes épocas, permitindo avaliar, por exemplo, a perda de habitats, mudanças de distribuição das plantas e até efeitos de alterações climáticas sobre a flora.
Além disso, o estudo taxonômico apoiado em coleções bem documentadas abre caminho para identificar características genéticas que podem ser úteis para aprimorar plantas de importância econômica, seja em programas de melhoramento, seja em pesquisas que buscam novos compostos de interesse farmacêutico ou agrícola. Assim, o herbário se consolida como um elo entre conhecimento básico em botânica e aplicações concretas em diversas áreas.
Uma história que começa com plantas medicinais e ganha o Brasil
A trajetória do Herbário SPF remonta ao início da década de 1930. Sua origem está associada à coleção de plantas do professor Wilson Hoehne, então ligado à antiga Faculdade de Farmácia. Na época, o foco principal eram as espécies medicinais, que despertavam interesse tanto científico quanto farmacêutico. Com o passar dos anos, entretanto, o acervo se expandiu para muito além desse recorte inicial.
Coletas em diferentes regiões do Estado de São Paulo e em áreas-chave da Mata Atlântica, incluindo locais como Jales e trechos da Serra do Mar, ampliaram a diversidade de espécies registradas. Quando o Departamento de Botânica foi transferido para o Instituto de Biociências, o herbário passou a funcionar no IB, e a pesquisa em botânica intensificou ainda mais o ritmo de crescimento da coleção.
Entre os episódios marcantes dessa história está a incorporação da coleção do imigrante japonês Goro Hashimoto. Encantado pela flora brasileira, ele reuniu por conta própria cerca de 43 mil amostras, muitas coletadas em áreas que hoje já não conservam vegetação original. Um exemplo simbólico é o antigo Parque Nacional de Sete Quedas, no Paraná, que desapareceu sob as águas da represa da usina hidrelétrica de Itaipu.
Ao comentar a chegada desse acervo, o curador José Rubens Pirani sublinha a dimensão histórica e científica desse gesto de preservação. Para ele, acolher o material foi uma responsabilidade do Instituto de Biociências, justamente por se tratar de uma documentação única da flora de várias regiões do País. Ao serem incorporadas ao Herbário SPF, essas amostras passaram a integrar uma estrutura preparada para seu cuidado a longo prazo e, ao mesmo tempo, passaram a estar disponíveis para novas pesquisas.
Herbário, biodiversidade e impacto ambiental
Ao olhar para as prateleiras cheias de pastas e caixas cuidadosamente organizadas, pode ser difícil imaginar o alcance desse tipo de coleção para o futuro dos ambientes naturais. Entretanto, cada ficha catalogada se transforma em um ponto de referência em mapas e bancos de dados, permitindo reconstruir a distribuição de espécies ao longo do tempo.
Essas informações são fundamentais para estudos de impacto ambiental, uma vez que ajudam a responder perguntas como: quais espécies ocorrem em determinada área antes da implantação de uma obra? Quais grupos de plantas são mais sensíveis à perda de habitats? Como a vegetação se reorganiza depois de um grande distúrbio?
Além disso, coleções como o Herbário SPF são essenciais para entender a diversidade real de plantas em um país megadiverso como o Brasil. Muitas espécies são conhecidas apenas a partir de poucos registros, e alguns desses registros estão justamente em herbários universitários. Assim, quando se discute conservação ou criação de unidades de proteção, é esse tipo de dado que ajuda a embasar decisões.
Fitotério: o jardim vivo que complementa as coleções prensadas
Se o herbário é a memória em papel da flora, o fitotério do Instituto de Biociências funciona como sua extensão viva. Trata-se de um jardim didático que apoia tanto as aulas quanto as pesquisas, e que também se abre ao público interessado em conhecer mais de perto a diversidade de espécies vegetais.
O espaço reúne casas de vegetação, estufas climatizadas, lagos e coleções de plantas organizadas de forma a facilitar o estudo e a observação. Entre os destaques, estão as vitórias-régias trazidas do bioma amazônico, que despertam curiosidade pela dimensão das folhas e pela beleza das flores. A proposta, no entanto, vai além da contemplação: ao caminhar pelo fitotério, é possível perceber como diferentes espécies se adaptam a luz, umidade, solo e microclimas diversos.
Pirani costuma lembrar que quem visita o fitotério quase sempre encontra algo em floração ou em fase de frutificação, o que torna cada passeio diferente. Assim, além de servir de laboratório a céu aberto para estudantes, o espaço também se torna uma porta de entrada para que o público em geral se aproxime da botânica e da importância da conservação da flora.
Como visitar o Herbário SPF e o fitotério
O Herbário SPF e o fitotério estão localizados no Instituto de Biociências da USP, na Rua do Matão, 277, na Cidade Universitária, bairro do Butantã, em São Paulo. Quem deseja conhecer o jardim didático pode visitar o fitotério de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h. As visitas são abertas ao público nesse horário, o que permite que estudantes, famílias e curiosos tenham contato direto com as coleções vivas.
As escolas que desejam uma experiência mais guiada podem agendar visitas monitoradas ao fitotério pelo e-mail [email protected] ou pelo telefone 3091-7547. No caso do herbário, a visitação é exclusivamente monitorada e também exige agendamento pelos mesmos contatos, justamente porque se trata de um ambiente de trabalho científico, com materiais sensíveis e regras específicas de conservação.
Além do acervo físico, o Instituto de Biociências disponibiliza informações e conteúdos adicionais em seus canais oficiais. Mais detalhes sobre o Departamento de Botânica e as atividades da unidade podem ser encontrados no site ib.usp.br/botanica e no Instagram @biocienciausp, que costuma divulgar bastidores de pesquisas, ações de extensão e curiosidades sobre o universo das plantas.
Para quem não pode ir até a Cidade Universitária, o catálogo do acervo também pode ser consultado digitalmente, por meio do site reflora.jbrj.gov.br, onde parte das informações do Herbário SPF está integrada a uma plataforma ampla de registros botânicos do Brasil. Dessa forma, o que começou como uma coleção física construída ao longo de décadas se abre ao mundo em formato virtual, mantendo viva a função do herbário como biblioteca de plantas, agora acessível a um público ainda maior.



