Natureza
Planta japonesa engana insetos ao reproduzir o cheiro de formigas feridas
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6 horas atrásem
Por
Claudio P. Filla
Em meio à vegetação discreta das florestas japonesas, uma erva aparentemente comum esconde um mecanismo reprodutivo tão preciso quanto surpreendente. Em vez de cores vibrantes ou perfumes adocicados, ela aposta em um aroma perturbador: o cheiro liberado por formigas feridas ou recém-mortas após o ataque de aranhas. Esse sinal químico, longe de afastar visitantes, funciona como um convite irresistível para moscas específicas, que acabam atuando como polinizadoras involuntárias.
A descoberta foi feita por pesquisadores da Universidade de Tóquio e publicada na revista científica Current Biology. O estudo, liderado pelo professor Ko Mochizuki, trouxe evidências inéditas de que formigas podem servir como modelo de mimetização olfativa no reino vegetal, ampliando o entendimento sobre adaptações sensoriais ligadas à reprodução.
Uma erva discreta com um truque químico sofisticado
A protagonista dessa história é a Vincetoxicum nakaianum, uma erva nativa do Japão que não chama atenção à primeira vista. Suas flores secas e de coloração apagada passam quase despercebidas no sub-bosque. No entanto, ao liberar compostos voláteis específicos, a planta recria com precisão o odor emitido por formigas machucadas durante a predação por aranhas.
Esse cheiro atrai moscas cloropídeas, insetos de hábito cleptoparasita, que costumam se alimentar de restos de presas capturadas por outros predadores. Convencidas de que encontraram uma fonte fácil de alimento, as moscas pousam sobre as folhas e flores da planta. Ao perceberem o engano, partem rapidamente, mas já carregam consigo o pólen, garantindo a polinização.
Segundo Mochizuki, a especificidade dessa estratégia é justamente o que a torna tão difícil de ser identificada. Enquanto algumas plantas imitam frutas ou matéria orgânica em decomposição, reproduzir o odor exato de formigas feridas por aranhas representa um nível de refinamento raramente documentado. “Trata-se de um sinal extremamente específico dentro de uma teia ecológica complexa”, explica o pesquisador.
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O desafio de estudar aromas florais extremos
Investigar esse tipo de mimetismo não é simples. A análise de aromas florais exige técnicas avançadas, como a cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massas, conhecida como GC–MS. De acordo com Mochizuki, esse método ainda não é amplamente utilizado em estudos ecológicos, tanto pela complexidade quanto pelo alto custo dos equipamentos. “Analisar aromas florais é um grande desafio técnico. Só consegui avançar porque tive acesso a um equipamento adequado no laboratório”, relata.
Além da barreira tecnológica, havia outra lacuna importante: até então, não se sabia que moscas cleptoparasitas consumiam ou se interessavam por formigas feridas. A observação direta das moscas reunidas em torno da Vincetoxicum nakaianum levantou a suspeita de que as flores estariam imitando algum tipo de inseto machucado, hipótese que só ganhou força após sucessivas análises químicas e comportamentais.
Descoberta fortuita e ciência além dos livros
Curiosamente, o achado não surgiu de uma busca direcionada. O pesquisador investigava outro tema quando percebeu a presença constante das pequenas moscas nas plantas. Por um longo período, no entanto, não conseguia identificar claramente os polinizadores, o que gerou incertezas. “Eu observava repetidamente, mas algo não se encaixava”, relembra.
No ano seguinte, ao notar novamente a visita intensa das moscas em espécimes cultivados em um jardim botânico, Mochizuki decidiu aprofundar a investigação. A partir daí, iniciou uma série de experimentos e análises químicas que confirmaram a imitação do odor de formigas feridas. Mesmo assim, durante a revisão por pares, surgiram questionamentos importantes, como a real natureza cleptoparasita das moscas envolvidas.
Sem bibliografia científica que descrevesse essa relação, o botânico precisou recorrer a uma fonte pouco convencional: registros de entusiastas e amadores disponíveis em blogs, vídeos e redes sociais. Ao combinar termos como “aranha”, “formiga” e “mosca”, encontrou evidências visuais que ajudaram a sustentar a lógica ecológica do estudo.
“Para compreender relações ecológicas complexas, é essencial considerar tanto pesquisas sistemáticas quanto observações de amadores”, afirma Mochizuki, destacando o valor científico dessas contribuições.
O que essa descoberta revela sobre a evolução das plantas
A estratégia da Vincetoxicum nakaianum mostra que a evolução vegetal pode explorar sinais considerados desagradáveis ou até alarmantes para humanos, transformando-os em ferramentas reprodutivas altamente eficazes. Em vez de competir por polinizadores com perfumes florais clássicos, a planta ocupa um nicho sensorial pouco explorado, enganando insetos especializados.
Esse tipo de mimetismo amplia a compreensão sobre como plantas e insetos coevoluem em sistemas altamente específicos. Além disso, reforça a ideia de que muitos mecanismos ainda permanecem ocultos na natureza, esperando ser revelados por observações atentas, tecnologia adequada e, em alguns casos, pela colaboração entre cientistas e observadores amadores.

Sou Cláudio P. Filla, formado em Comunicação Social e Mídias Sociais. Atuo como Redator e Curador de Conteúdo do Agronamidia. Com o apoio de uma equipe editorial de especialistas em agronomia, agronegócio, veterinária, desenvolvimento rural, jardinagem e paisagismo, me dedico a garantir a precisão e a relevância de todas as publicações.
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