Nas paisagens áridas do Semiárido brasileiro, onde a escassez de água desafia a produtividade agrícola, uma planta de origem mexicana começa a ganhar protagonismo. Conhecida mundialmente como a base da tequila, o Agave tequilana chega ao Brasil com uma proposta ousada: ser matéria-prima para etanol, captura de carbono e até ração para animais. Com folhas rígidas, tolerância à seca e um ciclo de crescimento mais longo, essa espécie adaptada a climas extremos desponta como símbolo de inovação verde para o Nordeste.
O projeto de implantação está sendo desenvolvido nos estados da Bahia e da Paraíba, onde já começaram a ser plantadas as primeiras mudas em Unidades de Referência Tecnológica (URTs). Ao todo, 1.800 exemplares da variedade Azul foram importados do México com o objetivo de testar a viabilidade agronômica e econômica da espécie em solo brasileiro. O experimento também contempla o aproveitamento integral da planta: do líquido fermentável ao bagaço que pode virar forragem.
“Estamos falando de uma espécie rústica, altamente eficiente em termos de consumo hídrico e produtiva em biomassa, o que a torna ideal para as condições semiáridas do Brasil”, afirma o agrônomo Renato Matos, pesquisador em bioenergia na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Segundo ele, o agave apresenta produtividade consistente mesmo em áreas onde outras culturas, como a cana-de-açúcar, não se adaptam.
Além da versatilidade energética, há um interesse crescente no uso da planta como alimento alternativo para ruminantes. Após o processo de extração para etanol, o resíduo fibroso do agave pode ser ensilado e fornecido ao gado, especialmente em períodos de estiagem. “É um aproveitamento duplo: transformamos o que seria resíduo em recurso nutricional. Essa circularidade tem enorme valor no Semiárido, onde a escassez de forragem afeta a pecuária de base familiar”, destaca o zootecnista Carlos Barreto, especialista em alimentação animal sustentável.
Cultivo com foco na transição energética
Embora o ciclo do Agave tequilana seja mais longo – podendo ultrapassar cinco anos até a colheita plena – sua vantagem competitiva está justamente na adaptação a solos pobres e na baixa necessidade hídrica. O ritmo lento é compensado pela estabilização da biomassa ao longo do tempo, graças ao escalonamento das plantações. A expectativa é que, com manejo adequado, seja possível manter uma cadeia produtiva contínua, alinhada às metas da transição energética nacional.

Para isso, os pesquisadores envolvidos no projeto apostam na formação de um sistema de cultivo estruturado, que inclui o uso de substratos ricos em matéria orgânica, irrigação mínima, espaçamentos otimizados e – futuramente – a mecanização do plantio e colheita, reduzindo a dependência de trabalho manual em larga escala. Ainda que o cultivo no México preserve muitas etapas manuais, o objetivo brasileiro é automatizar o processo sempre que possível.
O projeto também busca inovar na forma como o agave é utilizado. Atualmente, menos de 5% da biomassa do Agave sisalana, por exemplo, é aproveitada na indústria de fibras. A intenção agora é estabelecer um modelo de aproveitamento integral da planta, extraindo dela energia, insumos, nutrição animal e até benefícios ambientais por meio da fixação de carbono no solo.
Parceria internacional e plantio experimental
Parte das mudas utilizadas no experimento foram adquiridas durante uma missão técnica ao México, onde os pesquisadores brasileiros visitaram centros de pesquisa e unidades de produção da tequila. A partir desse intercâmbio, foi possível importar a variedade Weber Azul, considerada uma das mais promissoras para fins energéticos.
As primeiras URTs já estão em andamento nos municípios de Jacobina (BA), Monteiro e Alagoinha (PB). Essas áreas funcionam como vitrines tecnológicas para avaliar o desempenho do cultivo e desenvolver protocolos de manejo. A meta é gerar conhecimento técnico e consolidar o agave como uma alternativa econômica e ecológica para o sertão.
Apesar de o projeto ainda estar em sua fase inicial, a expectativa é alta. “Temos a oportunidade de transformar uma planta icônica do México em vetor de desenvolvimento rural e energético no Brasil. Se der certo, isso pode redesenhar a paisagem produtiva do Semiárido em poucos anos”, conclui o agrônomo Renato Matos.