Por trás de cada colheita farta, de cada avanço na produtividade rural e de cada inovação que transformou o campo, há décadas de pesquisa científica. Agora, com o auxílio da inteligência artificial, um estudo inédito lança luz sobre os caminhos percorridos por essas investigações ao longo de 50 anos — revelando padrões, prioridades e lacunas que podem definir o futuro da agricultura global.
A iniciativa partiu da análise de 239 estudos acadêmicos publicados entre 1969 e 2022. A partir dessas publicações, foram extraídas informações valiosas sobre como a ciência agrícola tem medido seu próprio impacto, especialmente no que diz respeito à eficiência de políticas públicas, adoção de tecnologias e busca por sustentabilidade. O que antes dependia de métodos tradicionais de leitura e interpretação agora ganha fôlego com ferramentas modernas de análise de dados e Processamento de Linguagem Natural.
As grandes áreas que moldaram as pesquisas agrícolas
Ao longo das últimas cinco décadas, seis temas principais concentraram os esforços da ciência rural. A economia e o desenvolvimento agrícola lideram os registros, com investigações voltadas ao desempenho produtivo e eficiência de culturas como sorgo e cevada. Ao lado disso, surgem estudos que priorizam o avanço tecnológico, a inovação aplicada ao campo e a difusão de conhecimento, em especial entre grãos como milho e cana-de-açúcar.
Outro eixo de destaque contempla a segurança alimentar e os impactos das mudanças climáticas, conectando produção agrícola a temas como justiça de gênero e adaptação ambiental. Em paralelo, a gestão de recursos naturais e a redução da pobreza rural também foram recorrentes nos estudos, sobretudo em áreas vulneráveis.
Temas ligados à adoção de práticas sustentáveis e às transformações sociais e institucionais ocupam posição estratégica nesse cenário. Projeções indicam que, até 2030, práticas voltadas à sustentabilidade devem crescer mais de 230%, revelando um novo protagonismo para a agricultura regenerativa e de baixo impacto ambiental.
Da Revolução Verde ao big data: a evolução das avaliações
A pesquisa mostra como as ferramentas de avaliação acompanharam a própria trajetória da agricultura moderna. Nos anos 1960, o foco era medir os retornos econômicos das inovações da Revolução Verde. Já nos anos 1970 e 1980, surgem preocupações com o meio ambiente, dando origem a metodologias como a Avaliação do Ciclo de Vida. Décadas depois, os métodos passam a incorporar variáveis sociais, de gênero e participação comunitária.
A partir de 2010, os estudos se alinham aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, reforçando o papel social da ciência agrícola. E com a chegada de tecnologias digitais, como inteligência artificial e análise preditiva, as avaliações ganham mais profundidade e precisão.
Um dos principais méritos do estudo está na catalogação de 103 técnicas distintas usadas em avaliações de impacto — um verdadeiro dicionário de métodos, que agora pode servir como guia prático para profissionais e gestores do setor.
Técnicas mais diversas, ciência mais inclusiva
O levantamento também mapeou a evolução das metodologias usadas nas avaliações. Até o início dos anos 2000, predominavam as abordagens quantitativas. Entretanto, com o avanço da ciência de dados, houve uma migração para métodos mistos e qualitativos — capazes de captar nuances sociais, culturais e ambientais com mais sensibilidade.
A diversidade metodológica foi especialmente notada em estudos voltados a impactos sociais, transformação institucional e inovação tecnológica. Já os temas mais voltados à produtividade e adoção de tecnologias sustentáveis mantêm abordagem mais técnica, embora também estejam se abrindo a novas formas de análise.
Inteligência artificial como aliada da ciência rural
O diferencial desta investigação está justamente na aplicação de inteligência artificial. Utilizando algoritmos de aprendizado de máquina e modelagem de tópicos, os pesquisadores organizaram um imenso volume de informação em grupos temáticos coerentes. A modelagem LDA (Latent Dirichlet Allocation), por exemplo, permitiu identificar padrões de palavras, frequências e associações invisíveis aos olhos humanos.
Além disso, técnicas como tokenização e análise de bigramas ajudaram a traçar uma linha do tempo da evolução dos temas de pesquisa, apontando o crescimento — ou desaparecimento — de certos focos científicos ao longo das décadas.
Onde ainda falta luz: lacunas e desafios
Mesmo com tantos avanços, a pesquisa também revela silêncios significativos. Algumas culturas centrais para a segurança alimentar global, como arroz, batata e trigo, aparecem em apenas 10% dos estudos analisados. Da mesma forma, ainda são raras as investigações com abordagem experimental — embora elas possam oferecer dados mais robustos e aplicáveis a políticas públicas.
Outro entrave está na limitação das bases de dados utilizadas. Como o estudo se concentrou nas plataformas Scopus e Web of Science, há o risco de que trabalhos relevantes publicados em outros meios não tenham sido considerados, sobretudo aqueles de países em desenvolvimento.
Mais que métricas: responsabilidade e futuro
Hoje, as avaliações de impacto agrícola vão muito além de medir resultados. Elas se tornaram uma ponte entre ciência e sociedade, conectando inovação tecnológica a valores éticos, inclusão social e preservação ambiental. Esse novo papel é reforçado pela convergência entre inteligência artificial e metodologias participativas, que juntas expandem a capacidade de análise e tomada de decisão.
O mapeamento construído por meio da IA revela mais do que tendências — ele indica caminhos. Em um momento em que o mundo enfrenta desafios complexos como mudanças climáticas e insegurança alimentar, entender o que já foi feito, onde ainda precisamos avançar e como podemos evoluir é fundamental para traçar uma agricultura mais resiliente, equitativa e regenerativa.