As oscilações do clima global nunca foram tão relevantes para a agricultura brasileira quanto agora. Em meio a eventos cada vez mais extremos, um estudo que analisou três décadas de dados climáticos e produtivos em Goiás e no Distrito Federal lança luz sobre a influência direta dos fenômenos El Niño e La Niña na produtividade de grãos como feijão, milho e soja.
Os resultados revelam padrões consistentes que, além de ajudarem a entender as safras do passado, oferecem pistas valiosas para decisões mais seguras no futuro.
Impactos visíveis no rendimento de feijão, milho e soja
O estudo analisou dados colhidos entre 1992 e 2021 e mostrou que os efeitos do El Niño e da La Niña sobre os cultivos vão muito além do senso comum. Enquanto anos marcados pelo El Niño apresentaram uma maior ocorrência de perdas de produtividade, principalmente para o feijão e o milho, os ciclos de La Niña estiveram associados a ganhos significativos, sobretudo na cultura da soja.
Esse contraste se reflete também nos chamados anos neutros — quando o Pacífico não está nem aquecido nem resfriado — que, apesar de favorecerem o milho, mostraram uma tendência de rendimento abaixo do esperado para a soja. A variabilidade nos resultados demonstra que compreender os padrões climáticos é essencial para reduzir riscos e aumentar a resiliência da produção agrícola.
Como os dados foram analisados
Para realizar a avaliação, foram cruzados registros históricos de precipitação diária com informações sobre rendimento agrícola, usando como base municípios com pelo menos 20 anos de dados completos. As análises levaram em conta o período de outubro a março, que compreende a safra de verão no Cerrado. O diferencial do estudo foi o uso de um ajuste estatístico por regressão, que permitiu identificar desvios significativos — positivos e negativos — em relação à tendência esperada de crescimento da produtividade.
Essa metodologia ajudou a isolar o impacto climático de outros fatores, como o avanço tecnológico, mecanização ou uso de novas cultivares. As anomalias positivas foram observadas com maior frequência em anos de La Niña, especialmente nas regiões central e norte de Goiás, onde também se concentrou o maior volume de chuvas.
Chuvas concentradas e mapas de risco
Um dos pontos mais interessantes do levantamento foi a espacialização das chuvas. Ao mapear os dados, os pesquisadores observaram que, durante os anos de La Niña, as chuvas foram mais generosas no centro-norte de Goiás, coincidindo com os melhores resultados de produtividade. Já o El Niño demonstrou um padrão oposto, com índices pluviométricos mais baixos e, consequentemente, um maior número de perdas.
Essas informações, apresentadas em mapas climáticos, indicam que a distribuição espacial da chuva é tão decisiva quanto a sua quantidade total — especialmente em culturas sensíveis como o feijão e a soja. Por isso, as análises visuais podem se tornar ferramentas estratégicas no planejamento agrícola, ajudando a escolher melhor não só a época de plantio, mas também a localização das lavouras.
Por que o estudo pode mudar o planejamento agrícola
Hoje, o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC) — principal ferramenta pública para orientar a época ideal de plantio — ainda trabalha com calendários fixos baseados em médias históricas. Contudo, este estudo propõe um avanço: ajustar essas recomendações anualmente, de acordo com as previsões atualizadas do fenômeno El Niño–Oscilação Sul.
Com a melhoria das previsões climáticas e o acesso a indicadores confiáveis antes do início da safra, o produtor rural teria mais liberdade e segurança para adequar sua janela de semeadura. Em um contexto de mudanças climáticas e aumento na frequência de eventos extremos, essa flexibilidade pode representar a diferença entre prejuízo e rentabilidade.