Resumo
• EUA derrubam tarifa extra de 40% sobre 238 itens agrícolas brasileiros, incluindo café, carne bovina, banana e tomate, após articulação direta entre Lula e Donald Trump.
• Decisão nasce de conversa em outubro e de encontro entre Lula e Trump na Malásia, reforçando o uso da diplomacia econômica como ferramenta para abrir mercados e remover barreiras.
• Lula classifica a medida como vitória do diálogo e da diplomacia; Haddad e Alckmin destacam que a isenção sinaliza confiança mútua e potencial para gerar emprego e renda no comércio exterior.
• Setor de café comemora: para Pavel Cardoso (ABIC), o café brasileiro ganha status estratégico nos EUA e amplia espaço para cafés industrializados no varejo, beneficiando toda a cadeia produtiva.
• ABIEC e CNI veem estabilidade e oportunidades: a carne bovina mantém competitividade e a retirada das tarifas agrícolas abre caminho para negociações futuras envolvendo bens industriais brasileiros.
A derrubada da tarifa adicional de 40% sobre a importação de produtos agrícolas brasileiros pelos Estados Unidos foi recebida em Brasília como um símbolo de reaproximação política e, sobretudo, como um gesto concreto de confiança econômica.
A medida, anunciada na quinta-feira, 20, atinge diretamente 238 itens selecionados, entre eles café, carne bovina e frutas como banana e tomate, e tende a redesenhar, ainda que de forma gradual, o fluxo de comércio exterior entre os dois países. Aliás, o gesto vai além dos números: ele sinaliza um ambiente mais favorável para negociações futuras em setores sensíveis para a economia brasileira.
Como a negociação foi costurada entre Lula e Trump
De acordo com ordem executiva assinada pela Casa Branca, a decisão do presidente Donald Trump é resultado de uma articulação que começou ainda no início de outubro, em uma conversa direta com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na ocasião, ambos concordaram em abrir uma mesa de negociação para rever o decreto norte-americano que havia imposto a sobretaxa de 40% a uma série de produtos agrícolas.
Esse canal político foi reforçado no final de outubro, quando Trump e Lula se encontraram presencialmente em Kuala Lumpur, na Malásia. O encontro, inicialmente protocolar, acabou funcionando como catalisador para acelerar a revisão das medidas protecionistas. Assim, a agenda comercial passou a ser tratada como prioridade, com trocas entre as equipes técnicas dos dois governos e participação ativa dos ministérios econômicos brasileiros.
Além disso, o movimento mais recente de Washington não surgiu do nada. Na semana anterior, os EUA já haviam anunciado a redução, de forma retroativa, de tarifas incidentes sobre centenas de produtos. A Casa Branca justificou a mudança citando recomendações de autoridades, revisões sobre a capacidade interna de produção norte-americana e ajustes às demandas do mercado. A decisão relativa aos itens agrícolas brasileiros, portanto, aparece como um desdobramento dessa reavaliação mais ampla, mas com forte peso político e simbólico.
Diplomacia econômica como ferramenta de resultado
Em publicação no X, Lula classificou a derrubada da tarifa de 40% como “uma vitória do diálogo, da diplomacia e do bom senso”. A frase traduz o esforço do governo brasileiro em se posicionar como um interlocutor pragmático, que busca reduzir barreiras e aproveitar janelas de oportunidade em um cenário internacional marcado por disputas comerciais.
Em vídeo divulgado ao lado do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e do vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, o presidente destacou que a isenção funciona como um sinal concreto de confiança mútua. Já Haddad e Alckmin enfatizaram o papel da negociação técnica, que precisou alinhar interesse de produtores, estabilidade de preços e previsibilidade para exportadores.
Para Geraldo Alckmin, o gesto abre um novo capítulo na relação econômica bilateral. Ele ressaltou que a retirada das tarifas “abre uma avenida de entendimento” entre Brasil e Estados Unidos, indicando que o efeito não se limita ao campo agrícola. “Os avanços significam desenvolvimento e empregos na seara do comércio exterior”, pontuou o vice-presidente, destacando que o agro funciona como ponta de lança de um movimento maior, que pode transbordar para outros setores produtivos.
Café brasileiro ganha espaço estratégico no varejo norte-americano
Entre os setores diretamente beneficiados, o de café reagiu com entusiasmo imediato. Em nota, Pavel Cardoso, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Café (ABIC), definiu a medida como um marco que consolida o papel do produto brasileiro na economia dos EUA. Segundo ele, o resultado foi fruto de um esforço combinado entre a diplomacia brasileira e toda a cadeia produtiva, do produtor ao industrial.
“Com esta nova ordem fica evidenciado que o café brasileiro é um produto essencial e estratégico para a economia americana, abrindo, inclusive, espaço para ampliação da presença dos cafés industrializados brasileiros no varejo norte-americano, com ganhos diretos para toda a cadeia produtiva, da indústria ao produtor”, afirma Pavel Cardoso no comunicado.
A análise do presidente da ABIC ajuda a entender por que a remoção da tarifa extra vai além de uma simples redução de custo. Ao tornar o café brasileiro mais competitivo nas prateleiras norte-americanas, a medida tende a fortalecer marcas nacionais já presentes no exterior e, ao mesmo tempo, a facilitar a entrada de novos rótulos. Assim, o Brasil poderá ampliar não apenas o volume exportado, mas também o valor agregado dos produtos, apostando em linhas especiais, grãos gourmet e versões prontas para consumo.
Além disso, a previsibilidade tarifária facilita investimentos em logística, marketing e contratos de longo prazo com redes varejistas e cafeterias. Em um mercado altamente competitivo, onde a percepção de qualidade e origem é cada vez mais valorizada, a nova condição pode ajudar o café brasileiro a ocupar posições mais consolidadas no imaginário do consumidor norte-americano.
Carne bovina e estabilidade nas regras do comércio internacional
Outro segmento diretamente impactado é o de carne bovina, que há anos disputa espaço com fornecedores de outros países em um mercado de normas rígidas e constante vigilância sanitária. Para a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC), a reversão do aumento tarifário cumpre um papel decisivo na preservação de um ambiente comercial previsível.
Em nota, a entidade destaca que a medida “reforça a estabilidade do comércio internacional e mantém condições equilibradas para todos os países envolvidos, inclusive para a carne bovina brasileira”. O argumento é significativo, porque toca em um ponto sensível para o setor: a necessidade de planejar o abate, a industrialização e a logística com meses de antecedência, considerando contratos e janelas de embarque.
Com a tarifa adicional de 40% fora do caminho, a competitividade da carne brasileira tende a melhorar de forma imediata. Porém, a ABIEC chama atenção para o fato de que tarifas não são o único desafio. Requisitos sanitários, rastreabilidade e pressões ambientais também influenciam decisões de compra no mercado norte-americano. Nesse contexto, a retirada da sobretaxa funciona como fôlego importante, mas não dispensa a necessidade de o Brasil seguir investindo em credibilidade e transparência em toda a cadeia produtiva.
Efeito em cadeia: frutas, agro e expectativa para bens industriais
Além do café e da carne bovina, a decisão norte-americana beneficia frutas como banana e tomate, entre outros produtos agrícolas que, somados, ajudam a diversificar a pauta exportadora do Brasil. Para produtores e cooperativas, a nova configuração tarifária pode significar contratos mais competitivos, ampliação de mercado e maior estabilidade de demanda ao longo do ano, especialmente em nichos de alto valor agregado.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI), por sua vez, enxergou na retirada das tarifas agrícolas uma espécie de porta entreaberta para uma discussão mais ampla sobre bens industriais. Em comunicado, a entidade destacou que a medida atinge 238 produtos agrícolas e cria um clima favorável para que o tema da indústria volte com mais força à mesa de negociações.
“A complementariedade das economias é real e agora precisamos evoluir nos termos para a entrada de bens da indústria, para a qual os EUA são nosso principal mercado, como para o setor de máquinas e equipamentos, por exemplo”, afirmou o presidente da CNI, Ricardo Alban. A avaliação demonstra que o empresariado enxerga a atual decisão como ponto de partida, e não como ponto de chegada.
Assim, a leitura é de que, se Brasil e Estados Unidos conseguirem consolidar um entendimento sólido em torno do agronegócio, haverá mais espaço político para avançar em itens industriais, tecnologia e serviços. A derrubada da sobretaxa agrícola, portanto, cumpre dupla função: alivia a pressão imediata sobre exportadores rurais e pavimenta o caminho para conversas mais complexas sobre integração produtiva.



