O semiárido de Minas Gerais, conhecido por seus ciclos longos de estiagem e desafios à produção rural, pode estar prestes a passar por uma transformação significativa.
Com a recente implementação da Política Estadual de Agricultura Irrigada Sustentável, pequenos e médios produtores da região estão sendo incentivados a adotar pela primeira vez sistemas modernos de irrigação, como pivôs centrais, gotejamento e reservatórios de água. A proposta da nova legislação é clara: aumentar de forma expressiva o percentual de áreas irrigadas no estado, saindo dos atuais 15% para algo entre 40% e 50% nas próximas décadas, sem expandir o desmatamento.
Redefinindo a relação com a água e o solo
A nova política estadual veio acompanhada de um pacote de flexibilizações e incentivos. Um dos pilares da medida é a possibilidade de outorga coletiva de uso da água, especialmente em áreas onde há conflitos por recursos hídricos. Isso facilita a organização de pequenos agricultores em associações, que agora conseguem obter autorizações conjuntas para explorar poços artesianos ou construir sistemas de reservação hídrica.
Segundo o engenheiro agrônomo e consultor em recursos hídricos Luiz Fernando Pinto, a medida representa uma quebra de paradigma na relação do pequeno produtor com a água. “É um divisor de águas, literalmente. O que antes era inacessível, agora se torna uma possibilidade real de aumentar produtividade com responsabilidade ambiental”, afirma. Para ele, o ponto mais relevante é que o decreto abre caminho para que a irrigação seja uma aliada do clima, e não mais um luxo limitado a grandes propriedades.
Produção de silagem e segurança alimentar do rebanho
O impacto mais imediato da nova política tende a ser sentido nas cadeias da pecuária leiteira e de corte, altamente dependentes de forragens como o milho. Em regiões como Montes Claros e Janaúba, o milho irrigado é peça-chave na produção de silagem, usada para alimentar o rebanho durante os meses de seca intensa.
De acordo com a zootecnista Juliana Mendonça, especializada em sistemas forrageiros, a irrigação pode ser a diferença entre manter a produção de leite e enfrentar prejuízos severos. “Sem ração de qualidade, o rebanho perde peso, a produção cai, e os custos disparam. Ter acesso a água significa garantir a alimentação no período seco e estabilidade ao longo do ano”, explica.
A crise mais recente ilustra bem esse cenário: a produção de leite chegou a cair 40% na região Norte de Minas, com muitos produtores vendendo parte dos animais por falta de ração. Com a irrigação estruturada, essa vulnerabilidade tende a diminuir drasticamente.
Caminho aberto para cooperativas e acesso a crédito
Além de fomentar a adoção de novas tecnologias, a lei também estabelece diretrizes para financiamento, capacitação técnica e pagamento por serviços ambientais — mecanismo que remunera produtores que preservam nascentes, matas ciliares ou adotam práticas regenerativas. A Secretaria de Agricultura de Minas Gerais orienta os agricultores a se organizarem em associações ou cooperativas, o que facilita o acesso às linhas de crédito rural e incentivos previstos na legislação.
Outro diferencial é o incentivo à pesquisa e transferência de tecnologia, promovendo o uso eficiente da água e a escolha de cultivos adaptados ao regime hídrico da região. O foco é que a irrigação não se transforme apenas em uma infraestrutura física, mas sim em um sistema de manejo estratégico, sustentável e de alta produtividade.