Ao longo dos últimos 40 anos, o Brasil assistiu a uma silenciosa e constante transformação de sua paisagem natural. Um estudo divulgado pelo MapBiomas revelou que, entre 1985 e 2024, o país perdeu 111,7 milhões de hectares de cobertura vegetal nativa — uma extensão territorial superior à da Bolívia e correspondente a 13% do território nacional. Esse processo de conversão do solo para atividades humanas, sobretudo pastagens e agricultura, revela não apenas o avanço da fronteira agropecuária, mas também o impacto direto sobre os principais biomas brasileiros.
A cada ano, aproximadamente 2,9 milhões de hectares de vegetação foram convertidos para usos antrópicos. Essa alteração no uso da terra é reflexo da crescente pressão econômica sobre os ecossistemas naturais. De acordo com o levantamento, as áreas de pastagem cresceram 62,7 milhões de hectares no período, enquanto a agricultura avançou sobre 44 milhões de hectares. O retrato revela um Brasil cada vez mais ruralizado, com a agropecuária se consolidando como atividade dominante em boa parte do território.
Aliás, em 1985, pouco menos da metade dos municípios brasileiros (47%) tinham a agropecuária como uso majoritário da terra. Em 2024, esse percentual saltou para 59%, o que equivale a mais de mil municípios sob predominância das atividades rurais. Estados do Sul e Sudeste, como Paraná, São Paulo e Rio Grande do Sul, lideram em proporção territorial dedicada à agricultura, com índices entre 30% e 34%.
Amazônia, Cerrado e outros biomas lideram perdas vegetacionais
Entre os biomas brasileiros, a Amazônia foi o mais afetado, com a perda de 52,1 milhões de hectares de vegetação nativa. Isso representa quase metade de toda a devastação registrada no país. De maneira alarmante, três em cada cinco hectares de áreas agrícolas abertas no bioma surgiram nos últimos 20 anos, evidenciando a recente intensificação da atividade agrícola na floresta tropical.
Logo atrás, o Cerrado — conhecido como berço das águas e também fundamental para a biodiversidade — perdeu 40,5 milhões de hectares, o que representa uma significativa redução da cobertura nativa do segundo maior bioma brasileiro. Regiões tradicionalmente menos visadas também sofreram impactos relevantes. A Caatinga perdeu 9,2 milhões de hectares, a Mata Atlântica, 4,4 milhões, e o Pantanal, 1,7 milhão.
Entretanto, chama atenção o caso do Pampa, no Sul do país, que foi o bioma com maior perda proporcional de vegetação. Embora tenha perdido 3,8 milhões de hectares — em números absolutos inferiores aos demais —, o impacto foi significativo para a escala territorial do bioma, com consequências visíveis para o equilíbrio climático e a conservação da fauna local.
Um retrato histórico da conversão de terras no país
Para entender o cenário atual, é preciso voltar no tempo. Até 1985, a conversão de vegetação para áreas produtivas acumulava cerca de 60% do território atualmente ocupado pela agropecuária, cidades, mineração e infraestrutura. No entanto, os 40% restantes dessa transformação aconteceram em apenas quatro décadas, demonstrando uma aceleração sem precedentes da ocupação antrópica no território nacional.
Aliás, segundo o MapBiomas, o auge dessa transformação ocorreu entre 1995 e 2004, período marcado por altas taxas de desmatamento, sobretudo na Amazônia. Após um recuo no ritmo de perdas entre 2005 e 2014 — quando se registrou a menor perda líquida de florestas desde o início do monitoramento —, a tendência voltou a se inverter. A partir de 2015, o avanço da degradação, associado às mudanças climáticas e à expansão de cultivos, recolocou o Brasil em uma trajetória preocupante de desmatamento.
Ainda que os números reflitam decisões e políticas de décadas, o cenário atual exige atenção urgente. A cada hectare perdido, comprometem-se funções ecológicas essenciais — como o ciclo da água, a regulação do clima e a preservação da biodiversidade. O mapeamento realizado ao longo dos anos torna-se, assim, um alerta para a necessidade de repensar modelos de uso do solo, equilibrando desenvolvimento produtivo e conservação ambiental.