Resumo
- Pesquisadores da Unicamp desenvolveram um mel com sabor de chocolate, unindo mel de abelhas nativas e cascas de cacau, tradicionalmente descartadas pela indústria.
- O produto é rico em cafeína, teobromina e compostos fenólicos, oferecendo propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias.
- A extração é feita por ultrassom, técnica de “química verde” que aumenta a eficiência e reduz impactos ambientais.
- O mel de abelhas sem ferrão foi escolhido por ter maior teor de água e potencial como solvente natural e sustentável.
- A Unicamp já patenteou o processo e busca parceiros para levar o produto ao mercado alimentício e cosmético.
O sabor inconfundível do chocolate agora pode vir de uma fonte totalmente inesperada: o mel. Em um projeto inovador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), pesquisadores desenvolveram um novo ingrediente com potencial para transformar a indústria alimentícia e cosmética — um mel de abelhas nativas enriquecido com compostos bioativos extraídos da casca do cacau, com aroma e gosto que remetem ao chocolate.
A pesquisa, publicada como destaque de capa na revista ACS Sustainable Chemistry & Engineering, propõe uma solução criativa para o aproveitamento de resíduos industriais do chocolate. O processo usa como base o mel de abelhas sem ferrão — que têm maior teor de água e menor viscosidade — para funcionar como um solvente natural, extraindo cafeína, teobromina e compostos fenólicos da casca da amêndoa de cacau, que normalmente é descartada no processo industrial.
O resultado é um produto de alta complexidade sensorial, com tonalidade e paladar que podem lembrar chocolate, dependendo da proporção utilizada entre mel e casca. Mas o sabor é apenas parte da novidade: o mel também se torna mais nutritivo, com efeitos antioxidantes e anti-inflamatórios que o posicionam como um alimento funcional.
Tecnologia de ultrassom potencializa compostos bioativos
A extração dos compostos foi feita com auxílio de uma sonda ultrassônica — tecnologia limpa que usa ondas sonoras de alta frequência para criar microbolhas no líquido. Essas bolhas implodem e rompem a estrutura celular da matéria-prima vegetal, acelerando a transferência de compostos bioativos para o mel.
Essa técnica, considerada uma das ferramentas mais sustentáveis da chamada “química verde”, foi avaliada com rigor pelos cientistas. Usando o software Path2Green, que mensura a sustentabilidade de processos químicos, o método alcançou um dos melhores índices possíveis, com destaque para o uso de um solvente natural, comestível e disponível localmente.

A proposta, segundo os autores, é viável inclusive para cooperativas e pequenas indústrias que já trabalham com o processamento de cacau ou mel nativo. A combinação dos dois ingredientes pode não apenas agregar valor a subprodutos regionais, como também gerar novas possibilidades para a gastronomia de alto padrão.
Biodiversidade e aproveitamento de resíduos
A escolha do mel de abelhas nativas do Brasil, como jataí, mandaçaia, mandaguari e moça-branca, reforça o compromisso do projeto com o uso sustentável da biodiversidade local. Cada tipo de mel testado apresentou características distintas, como diferentes teores de umidade e viscosidade, mas todos se mostraram aptos a participar do processo de enriquecimento com compostos do cacau.

O resíduo utilizado — as cascas das amêndoas de cacau — foi cedido pela Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati) de São José do Rio Preto, tornando o ciclo ainda mais circular. Ao transformar um subproduto em um alimento nobre, a pesquisa colabora para reduzir desperdícios e amplia a aplicação de recursos naturais brasileiros.
Além disso, há indícios de que o uso do ultrassom também contribui para a estabilização microbiológica do mel, aumentando sua durabilidade e facilitando o armazenamento. Isso representa um avanço importante, já que méis de abelhas sem ferrão geralmente demandam refrigeração ou pasteurização, ao contrário dos méis da Apis mellifera.
Próximos passos e aplicações futuras
A Unicamp já depositou a patente do processo e busca parceiros para viabilizar sua aplicação comercial em larga escala. Os pesquisadores preparam também novos estudos para explorar o uso do mel como solvente em outros contextos, como na extração de compostos de diferentes resíduos vegetais.