O cheiro da terra recém-revolvida, o som da lâmina cortando o terreno e o aspecto visual de um campo “pronto para plantar” ainda marcam presença forte no imaginário agrícola brasileiro. O preparo convencional do solo, com práticas como a aração e a gradagem, foi, por décadas, símbolo de eficiência e produtividade. Mas será que ele continua sendo a melhor escolha em todos os contextos?
Essa técnica consiste, basicamente, em mobilizar o solo mecanicamente — primeiro, por meio da aração, que rompe as camadas superficiais, e depois pela gradagem, que homogeneíza e nivela a área para receber as sementes. O processo facilita a incorporação de corretivos, melhora o contato entre sementes e o solo e, de início, cria um ambiente visualmente favorável ao cultivo. Contudo, os efeitos dessa intervenção vão além do que os olhos podem ver.
A promessa de um solo fértil e a realidade da sua fragilidade
A aração, quando feita de maneira recorrente, pode comprometer a estrutura natural do solo. “Ao romper os agregados estruturais, expomos a matéria orgânica à oxidação acelerada e deixamos a superfície mais vulnerável à erosão, sobretudo em regiões com inclinação e chuvas intensas”, explica o engenheiro agrônomo e pesquisador Fernando Damiani.
O solo, que deveria funcionar como uma esponja para infiltrar a água das chuvas, acaba compactado logo abaixo da linha de aração. Essa compactação superficial, conhecida como “pé de grade” ou “pé de arado”, cria uma barreira quase impermeável, limitando o desenvolvimento radicular das culturas e prejudicando a absorção de nutrientes e água.
Além disso, a gradagem intensa desagrega as partículas, favorecendo a formação de crostas superficiais que dificultam a emergência das plantas. A curto prazo, o plantio parece promissor. A longo prazo, as consequências comprometem a sustentabilidade da lavoura.
A erosão como inimiga silenciosa da produtividade
Os impactos do preparo convencional também se estendem ao ambiente. Quando o solo perde sua cobertura vegetal e sofre revolvimento frequente, ele se torna alvo fácil da erosão hídrica. “Cada enxurrada leva embora não apenas terra, mas também fertilizantes e insumos aplicados — o que representa prejuízo financeiro direto para o agricultor e contaminação para os corpos d’água próximos”, aponta a agrônoma Marina Barcellos, especialista em manejo e conservação de solos.
É comum que áreas declivosas, ou até mesmo suaves colinas, apresentem sulcos de erosão após apenas uma ou duas safras conduzidas com aração convencional. Essa perda de solo fértil é praticamente irreversível e exige anos de manejo corretivo, com altos investimentos e intervenções específicas.
Há espaço para o preparo convencional no futuro da agricultura?
Apesar das críticas, o preparo convencional do solo ainda encontra espaço em sistemas agrícolas que enfrentam solos muito compactados ou infestados por plantas daninhas resistentes. Quando bem planejado e combinado com práticas conservacionistas — como terraceamento, rotação de culturas e cobertura vegetal —, ele pode ser uma ferramenta pontual eficaz.
Fernando Damiani destaca que a escolha do método de preparo deve ser estratégica: “Não se trata de demonizar a aração, mas de compreender onde e quando ela é tecnicamente indicada. O erro está na repetição cega da prática sem avaliar as condições específicas do solo e do clima”.
Marina Barcellos complementa: “O agricultor precisa ver o solo como um organismo vivo. Quanto mais ele for perturbado, menor será sua resiliência. O caminho é aliar o conhecimento técnico com a observação da resposta da terra.”