Ao caminhar por Curitiba entre os meses de primavera, é impossível não notar o perfume doce no ar e o colorido tímido que brota entre as folhas. Em muitos pontos da cidade, o que antes passava despercebido agora se revela como um convite à contemplação — e à colheita. Amoras maduras, pitangas vermelhas e ameixas douradas se penduram em galhos à altura dos olhos, e o melhor: em espaços públicos, onde qualquer pessoa pode se servir.
O fenômeno não é novo, mas tem ganhado força com os projetos de arborização que valorizam espécies frutíferas nativas. O resultado é um verdadeiro mosaico de cores e sabores espalhado por calçadas, avenidas e praças. Segundo a engenheira florestal Carla Tavares, especialista em arborização urbana, essa escolha paisagística vai além da estética. “Plantar árvores frutíferas nas cidades é uma forma inteligente de promover biodiversidade, criar microclimas e, ao mesmo tempo, proporcionar uma experiência sensorial às pessoas no cotidiano urbano”, destaca.
Ruas que dão frutos
A paisagem de Curitiba é, em muitos pontos, surpreendente. Na região do Alto da XV, margeando a linha férrea, é possível percorrer um longo trajeto passando por amoreiras carregadas e pessegueiros discretos. As pitangueiras disputam espaço com os pés de cereja entre o Juvevê e o Bacacheri, enquanto na Avenida Affonso Camargo o que se vê é um corredor inteiro de árvores distribuindo suas frutas aos passantes.
Além dessas áreas mais conhecidas, a cidade abriga pequenos pomares urbanos em vias como a Marechal Floriano Peixoto, Wenceslau Brás, Konrad Adenauer e Enet Dubart. “A cidade ganhou uma espécie de vocação frutífera que se espalha entre bairros e surpreende quem caminha atento”, observa o botânico Murilo Nogueira, que realiza estudos sobre flora urbana do sul do Brasil.
Praças, parques e ciência a céu aberto
Em Santa Felicidade, um dos bairros mais tradicionais de Curitiba, a cena se repete em diversos pontos do bairro, com variações de ameixas, amorinhas, pintangas e araçás que brotam nas beiras de canteiros e calçadas. Aliás, parques e praças da cidade têm sido estrategicamente arborizados com espécies comestíveis. A lógica é simples: oferecer sombra, flores e frutos — tudo de forma integrada com o ecossistema urbano.
A Avenida Victor Ferreira do Amaral, no Tarumã, é um exemplo recente de revitalização com foco em espécies frutíferas. O canteiro central recebeu cerca de 600 novas árvores, sendo metade delas nativas comestíveis como jabuticabeiras, grumixamas, goiabas-serranas, cabeludinhas e pitangueiras. “Essas árvores não apenas alimentam a fauna silvestre, mas também contribuem para a conexão afetiva entre os moradores e o ambiente”, explica Carla.
Além disso, essa iniciativa tem caráter experimental. A prefeitura, em parceria com universidades locais, acompanha o crescimento dessas árvores para estudar impactos no microclima urbano, na polinização e no comportamento de espécies nativas em meio à cidade.
Colheita consciente e regramento urbano
É natural que a presença crescente de árvores frutíferas desperte também o desejo da população em plantar novas mudas nas calçadas e canteiros. Contudo, há regras que devem ser seguidas para garantir que essa convivência entre natureza e infraestrutura urbana seja equilibrada. A prefeitura reforça que qualquer plantio em via pública exige autorização prévia, e o morador precisa considerar aspectos como espaço disponível, porte da árvore e compatibilidade com fiação e construções.
Mesmo em terrenos particulares, é preciso planejamento. “Uma muda de jabuticabeira, por exemplo, parece inofensiva no início, mas pode atingir grandes proporções com o tempo. O ideal é escolher o local com critério, pensando na planta adulta”, alerta Murilo.
Do plantio à regeneração: uma cultura em expansão
A valorização de espécies nativas com frutos comestíveis também aparece em ações estaduais. Durante a Semana da Árvore, o Instituto Água e Terra (IAT) distribuiu mais de 25 mil mudas por todo o Paraná, superando a meta inicial. O foco foi ampliar a regeneração de áreas degradadas e reforçar a cultura do plantio entre escolas, empresas e comunidades, promovendo um equilíbrio entre recuperação ambiental e envolvimento social.