Resumo
• A Embrapa desenvolve um protocolo inédito de clonagem por miniestacas para recuperar o pau-rosa, espécie amazônica historicamente explorada e hoje ameaçada.
• O projeto seleciona matrizes superiores, aprimora técnicas de enraizamento e estrutura práticas agronômicas para produção de mudas em larga escala.
• A extração sustentável do óleo, feita por folhas e galhos, substitui a derrubada da árvore e pode revitalizar a cadeia produtiva regional.
• Agricultores familiares testam o cultivo em sistemas consorciados, com resultados promissores em sobrevivência e potencial econômico.
• Burocracias ainda travam o mercado, mas a pesquisa pode unir conservação, renda e fortalecimento da Amazônia produtiva e sustentável.
A história do pau-rosa sempre caminhou entre a exuberância e a vulnerabilidade. Símbolo da perfumaria brasileira e protagonista de um dos óleos essenciais mais refinados do mundo, o Aniba rosaeodora viveu décadas de exploração predatória que comprometeram a regeneração natural da espécie.
Entretanto, à medida que a Amazônia se torna ainda mais estratégica para a conservação global, a ciência brasileira avança para reescrever o destino dessa árvore nativa, transformando o que antes era um cenário de declínio em um projeto de produção sustentável e de amplo impacto regional. Por isso, a pesquisa conduzida pela Embrapa Amazônia Ocidental nasce como um divisor de águas, articulando tecnologia, genética e manejo para viabilizar o retorno da espécie ao cultivo comercial sem repetir os erros do passado.
Uma espécie rara que sustenta uma indústria inteira
O valor do pau-rosa está concentrado em seu óleo essencial, cuja riqueza em linalol — composto aromático extremamente valorizado pelas indústrias cosmética e perfumista — impulsionou a derrubada indiscriminada de árvores adultas ao longo do século XX. Enquanto os grandes perfumistas internacionais se encantavam com seu aroma fresco e sofisticado, a floresta via seus estoques naturais desaparecerem. Não por acaso, a produção, que já alcançou cerca de 500 toneladas anuais na década de 1970, despencou para pouco mais de 1.400 quilos em 2021, reflexo direto da escassez de árvores maduras e da ausência de sistemas de cultivo estruturados.
Além disso, o pau-rosa apresenta forte variabilidade genética, o que impacta diretamente a uniformidade das plantações e a padronização do teor de óleo — outro fator que historicamente dificultou o cultivo em escala. Assim, a necessidade de desenvolver um protocolo reprodutivo eficaz deixou de ser apenas uma questão técnica e passou a ser um componente essencial da conservação da espécie.
Clonagem por miniestacas: o caminho para a produção em larga escala
A iniciativa da Embrapa se apoia em um tripé formado pela seleção genética de matrizes superiores, pela clonagem via miniestacas e pela definição de práticas agronômicas adaptadas ao bioma amazônico. A pesquisa partiu de 80 árvores-matrizes identificadas na propriedade da empresa Litiara/Agroflora, em Rio Preto da Eva (AM). Dentre elas, as plantas mais vigorosas e com teor de óleo acima de 1,5% passaram a integrar o grupo de elite para multiplicação.
“Em novembro de 2025, iniciamos a retirada dos galhos dessas plantas para produzir os clones por enraizamento de miniestacas”, afirma o pesquisador Edson Barcelos, da Embrapa Amazônia Ocidental. Segundo ele, a técnica consiste em estimular pequenos segmentos vegetativos a criar raízes e se desenvolverem como mudas geneticamente idênticas às matrizes originais, garantindo padronização e alto desempenho futuro no campo.
Essa metodologia, embora já estudada pelo Inpa em contextos experimentais, nunca havia sido aplicada em escala comercial. Agora, a proposta da Embrapa segue o modelo já consolidado em culturas como café, erva-mate e eucalipto, integrando seleção genética, propagação, manejo e avaliação de campo em um único sistema produtivo.
Da pesquisa ao campo: protocolos que podem revolucionar o cultivo
A ausência de sementes viáveis e a elevada mortalidade — que chega a 90% em plantios feitos a partir de sementes — justificam a urgência de um protocolo de clonagem robusto. Como detalha Barcelos, “para plantar cinco hectares, precisamos de cinco mil mudas, mas raramente encontramos sementes disponíveis, e quando existem, a heterogeneidade genética produz plantas muito diferentes entre si”.
Para superar esse desafio, o projeto recebeu investimentos destinados à construção de estufas, aquisição de vasos e instalação de um laboratório de extração de óleo. As equipes também iniciam testes com diferentes substratos, como terriço, fibra de coco e vermiculita, além do uso de hormônios vegetais que facilitam o enraizamento. Cada detalhe — do tamanho das miniestacas ao regime de irrigação — será avaliado até que se estabeleça um padrão confiável para produção em massa.
O estudo também testa a banana como cultura sombreadora nos primeiros anos, recurso que oferece um microclima mais estável e retorno financeiro antecipado para os agricultores. É uma estratégia que alia sustentabilidade, renda e estímulo à adoção do sistema produtivo.
Produção sustentável e conservação da floresta
Durante décadas, a extração do óleo essencial era feita a partir do tronco, com a derrubada total da árvore. A partir do momento em que a espécie entrou na lista de ameaçadas, a prática foi proibida, e o país precisou buscar alternativas tecnológicas para manter a produção. A pesquisa da Embrapa, portanto, investe em extrair óleo de folhas e galhos, mantendo a árvore íntegra e viva, princípio fundamental para a conservação da espécie.
Hoje, a área plantada no Brasil não ultrapassa 50 hectares, concentrada em Maués, Novo Aripuanã e Itacoatiara. A expectativa é que o sistema proposto permita expandir essas áreas de forma ambientalmente responsável, reduzindo a pressão sobre as populações nativas ainda existentes na floresta.
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Os desafios que ainda travam a cadeia produtiva
Além da escassez de mudas, outros entraves dificultam a expansão do pau-rosa. A falta de protocolos de manejo — como o espaçamento ideal, a época de poda e a dosagem de adubação — provoca perdas significativas. Problemas com sombreamento inadequado, estresse hídrico e ataques de pragas também impactam a sobrevivência juvenil.
No entanto, mesmo quando o produtor consegue levar a planta ao estágio adulto, a comercialização do óleo enfrenta um obstáculo adicional: a burocracia. As exigências legais, consideradas excessivas pelos produtores, afastam compradores e favorecem a substituição por óleos de menor valor agregado.
Por isso, durante o Simpósio de Óleos Essenciais realizado em Manaus, especialistas e empresários formularam a chamada “Carta do Pau-Rosa”, documento que reivindica ajustes regulatórios para permitir o avanço da cadeia produtiva sem comprometer a conservação da espécie.
Agricultura familiar: um caminho de inclusão econômica
O avanço científico também respinga diretamente no cotidiano de agricultores familiares, que passaram a testar o cultivo do pau-rosa como alternativa sustentável de renda. Em áreas do ramal ZF-4, na zona rural de Manaus, 230 mudas foram plantadas em 2012, consorciadas com frutíferas e roçados. O primeiro florescimento ocorreu oito anos depois, revelando o potencial da espécie para sistemas agroflorestais.
Embora a mortalidade tenha alcançado 47% — reflexo de pragas, sombreamento excessivo e estresse hídrico — o consórcio com frutíferas elevou a sobrevivência em mais de 50% em comparação a áreas de capoeira. A recomendação técnica é clara: podas estratégicas para aumentar a luminosidade, estimular a biomassa e favorecer futuras coletas de sementes.
A ciência como ponte entre floresta, economia e futuro
A construção desse protocolo não representa apenas um avanço científico, mas um novo ciclo para a espécie e para a própria Amazônia. Barcelos resume o impacto esperado: “Estamos construindo um modelo que alia ciência, conservação e desenvolvimento regional. O pau-rosa pode voltar a ser símbolo de riqueza, desta vez, com sustentabilidade”.
Se a floresta sempre foi um laboratório vivo, agora a pesquisa devolve a ela a chance de florescer novamente — não mais pela exploração predatória, mas pela inteligência, pela tecnologia e pelo profundo respeito às espécies que constroem a identidade da Amazônia.



