Nem sempre os grandes espetáculos da natureza precisam de aplausos. Às vezes, eles acontecem em silêncio, escondidos nas reentrâncias da mata, onde o vento toca folhas e o sol reflete em asas translúcidas. Foi assim, quase por acaso, que o biólogo curitibano Adolf Carl Kruger testemunhou um fenômeno que mudaria o curso de sua carreira e provocaria uma série de perguntas ainda sem resposta.
Durante uma trilha pelo Morro do Anhangava, em Quatro Barras, na Região Metropolitana de Curitiba, Kruger avistou algo extraordinário: uma concentração de mais de 10 mil borboletas Epityches eupompe, conhecidas popularmente como borboletas asas-de-vidro, agrupadas em um vale sombreado próximo a uma nascente. As asas, praticamente transparentes, ostentam manchas amarelas e vermelhas que, sob a luz, lembram vitrais suspensos no ar.
Aliás, o que torna esse fenômeno ainda mais fascinante é que ele se repete com frequência surpreendente — sempre no inverno, geralmente ao final da tarde — e no mesmo local, como se houvesse uma razão secreta, ainda não desvendada, para o encontro dessas delicadas viajantes.
Mistério científico e raridade biológica
Intrigado com o que presenciou, Kruger consultou colegas e literatura científica. Descobriu, então, que não se tratava apenas de um evento belo, mas também raríssimo. Até hoje, aglomerações dessa espécie só foram documentadas em três outros pontos: em Piraquara (PR), São Paulo (SP) e Santa Catarina, sempre em áreas com vegetação típica da Mata Atlântica.

Ao comunicar o caso à bióloga Maristela Zamoner, coordenadora de projetos do Jardim Botânico de Curitiba, o fenômeno foi confirmado e passou a integrar o escopo de estudos do Museu Botânico Municipal Gerdt Hatschbach. Segundo Maristela, o episódio levanta inúmeras questões: “São muitos espécimes. Para alimentar 10 mil lagartas desta borboleta seria necessário um volume imenso de plantas hospedeiras, e não vemos sinais disso na mata”, explica.
Por isso, a principal hipótese dos pesquisadores é a de que as borboletas tenham migrado de outras regiões e que o Anhangava funcione como um ponto de descanso ou encontro — uma espécie de santuário temporário para essa espécie sensível e discreta.
Pesquisa aberta e ciência cidadã: o papel da população no estudo
Com o registro do fenômeno, uma nova etapa se iniciou: entender como essas borboletas se deslocam, por que escolhem esse local e o que suas escolhas revelam sobre o comportamento das espécies em paisagens preservadas. Para isso, o Museu Botânico aposta em um modelo que mistura ciência e participação popular.

Desde 2021, o museu trabalha com o conceito de ciência cidadã, convidando a população a contribuir com fotos e relatos por meio da plataforma iNaturalist. “Já temos algumas publicações e até um livro chamado Borboletas de Curitiba e do Paraná: contribuições da ciência cidadã, que foi feito com a colaboração dessas pessoas apaixonadas pela natureza”, relata Maristela.
Essa abordagem tem permitido que pesquisadores mapeiem áreas onde as Epityches eupompe possam estar se concentrando, além de construir um banco de dados colaborativo sobre o comportamento das borboletas na região.