Resumo
- Estudo da Unesp e UFSCar revela que o estresse social testemunhado afeta cérebro e comportamento de forma distinta conforme idade e sexo dos camundongos.
- Fêmeas adultas demonstraram mais resiliência emocional que machos, com menor ativação em áreas cerebrais ligadas ao medo e ao estresse.
- Jovens de ambos os sexos apresentaram alterações comportamentais mais intensas e duradouras após exposição precoce ao estresse.
- Testes simulam situações humanas como bullying e traumas indiretos, mostrando que observar a violência também gera impactos profundos.
- Resultados reforçam a importância de terapias personalizadas, considerando idade e sexo biológico na resposta ao estresse emocional.
Estresse não é igual para todos — e isso ficou ainda mais evidente em um novo estudo conduzido por pesquisadores da Unesp e da UFSCar. A pesquisa, que investigou os efeitos do estresse social testemunhado em camundongos, mostra que o impacto dessa condição emocional varia de acordo com a idade e o sexo biológico dos indivíduos. Publicado na revista Physiology & Behavior, o trabalho expõe como o cérebro e o comportamento são afetados de maneira distinta quando submetidos a experiências traumáticas indiretas, como presenciar situações de agressividade ou intimidação.
Enquanto as fêmeas adultas revelaram maior resiliência, com sinais mais brandos de sofrimento emocional, os roedores jovens — tanto machos quanto fêmeas — apresentaram reações mais intensas, sobretudo no comportamento. Os machos adultos, por outro lado, demonstraram maior vulnerabilidade, com alterações evidentes nas regiões do cérebro responsáveis pela regulação emocional, como a amígdala e o hipocampo.
Estresse social testemunhado: um trauma silencioso
Ao contrário do estresse direto, aquele em que o indivíduo é alvo de agressões ou ameaças, o foco do estudo foi o chamado “estresse testemunhado”. Trata-se de uma condição em que o animal observa, sem envolvimento físico, um episódio de violência ou conflito envolvendo outros indivíduos — uma analogia possível a situações humanas como bullying, violência doméstica ou traumas vivenciados pela exposição constante a notícias violentas.
Para simular esse cenário em laboratório, os cientistas recorreram a um protocolo de neurociência conhecido como Witness Social Defeat Stress (WSDS). Nele, três camundongos são colocados em uma mesma caixa, separados apenas por uma divisória transparente. Um dos animais — o “testemunha” — observa outro, o “intruso”, sendo intimidado por um terceiro, o “agressor”. Apesar de não ser atacado diretamente, o testemunha presencia, ouve e sente o cheiro do confronto.
O experimento se estendeu por dez dias, com sessões de 15 minutos. Após um mês, os animais passaram por uma nova sessão e foram então submetidos a testes comportamentais que avaliam sinais de depressão. Também houve um grupo-controle, no qual as interações observadas foram pacíficas.
Idade e sexo influenciam os efeitos do trauma
A análise mostrou que o estresse precoce tem impactos mais profundos e duradouros. Quando reavaliados na fase adulta, os camundongos jovens que haviam sido expostos ao estresse social ainda apresentavam comportamentos associados à depressão, como isolamento ou apatia.
Já entre os adultos, os efeitos variaram conforme o sexo biológico. Enquanto os machos mostraram alterações mais nítidas na amígdala e no hipocampo — regiões ligadas à memória emocional e ao medo —, as fêmeas adultas revelaram uma ativação reduzida nessas áreas, o que foi interpretado como sinal de maior resiliência neurofuncional. Além disso, elas apresentaram melhor desempenho em testes de reconhecimento de objetos novos, um dos indicadores de superação de traumas.
Essas diferenças neurocomportamentais indicam que a vulnerabilidade ao estresse não é apenas uma questão de exposição, mas também de fatores biológicos e maturacionais. O cérebro jovem, ainda em desenvolvimento, parece mais suscetível aos efeitos deletérios do estresse, enquanto o adulto tende a modular essas respostas com mais estabilidade — principalmente no caso das fêmeas.
Adaptação do protocolo foi essencial para avaliar fêmeas
Historicamente, a maioria dos testes de estresse social foi desenvolvida com base no comportamento territorial e competitivo dos machos. No entanto, o novo estudo precisou adaptar o protocolo WSDS para incluir fêmeas, que não demonstram as mesmas estratégias de confronto. Com isso, foi possível observar que, mesmo diante do estresse apenas observado, as fêmeas adultas também desenvolvem respostas emocionais — embora com menos intensidade — e podem inclusive apresentar melhora em certos aspectos comportamentais, como a redução de comportamentos de medo.
Uma nova perspectiva para compreender o estresse humano
Embora o estudo tenha sido feito em roedores, os resultados lançam luz sobre o entendimento do estresse em humanos. O fato de que o sexo biológico e a idade influenciam diretamente a maneira como o cérebro responde a traumas reforça a necessidade de abordagens terapêuticas mais personalizadas.
Além disso, a distinção entre vivenciar e observar o estresse pode ter implicações clínicas relevantes, sobretudo em um mundo onde a exposição indireta à violência — por meio das telas ou de ambientes hostis — se tornou rotina. O estudo sugere que tais vivências também deixam marcas profundas, ainda que silenciosas, e que nem todos os cérebros reagem da mesma forma ao trauma.
Para quem se interessa pelo artigo original, o estudo completo pode ser acessado na Physiology & Behavior sob o título Witness stress promotes age and sex-dependent behavioral and neurofunctional alterations in the amygdaloid complex and dorsal hippocampus in mice. Disponível em: ScienceDirect.



