Nem todas as flores desejam se destacar aos olhos humanos. Algumas preferem enganar, seduzir discretamente e até simular o cheiro da morte para sobreviver. É o caso da Ceropegia gerrardii, uma espécie rara originária do sul da África que, apesar de seu aspecto discreto, guarda uma tática biológica fascinante: produzir uma substância que simula o sangue de abelha ferida para atrair suas principais polinizadoras — as moscas chacais.
Com flores em tom verde-escuro, essa planta não chamaria atenção visualmente nem dos olhos mais treinados. Seu formato, lembrando pequenas estrelas deformadas, é facilmente camuflado entre galhos e folhagens secas. Mas, ao contrário do que muitos imaginam, sua força não está na cor ou na forma, e sim no cheiro. “A Ceropegia investe pesado na linguagem olfativa, algo que muitas vezes ignoramos ao estudar polinização”, explica o biólogo e pesquisador evolucionista Caio Menezes, da Universidade Federal de Viçosa. Segundo ele, as flores dessa espécie liberam compostos voláteis com alto teor de proteínas e açúcares — elementos similares à hemolinfa, o fluido vital das abelhas.
Essa estratégia olfativa tem como alvo específico as moscas do gênero Desmometopa, popularmente chamadas de moscas chacais, conhecidas por sua capacidade de localizar insetos feridos em poucos segundos. Essas moscas, atraídas pelo aroma que simula uma abelha dilacerada, acabam pousando sobre as flores da Ceropegia em busca de alimento — e, ao fazer isso, transportam o pólen de uma planta a outra, sem sequer perceber o truque.
UMA TÁTICA QUE DESAFIA O CONCEITO TRADICIONAL DE POLINIZAÇÃO
Enquanto muitas flores evoluíram para agradar visualmente borboletas, abelhas e beija-flores, a Ceropegia tomou um caminho evolutivo menos glamouroso e mais estratégico. A substância que ela secreta, ao contrário do néctar doce típico das flores comerciais, é mais densa, com aparência viscosa e odor pungente. Segundo o ecólogo e entomologista Fernando Lopes, a planta não apenas atrai as moscas por semelhança química, mas também por oferecer uma “falsa promessa de refeição rica”.

“O que parece sangue de abelha é, na verdade, uma armadilha olfativa refinada. E o mais curioso é que essa secreção não possui função nutricional significativa — o que levanta a hipótese de que seja apenas uma isca sensorial, e não um alimento de fato”, observa Lopes. Essa característica, somada ao tom verde-oliva das pétalas, reforça que o atrativo principal está no cheiro, e não no apelo visual. Afinal, para as moscas chacais, o mundo é percebido mais pelo nariz do que pelos olhos.
UMA LIÇÃO SOBRE ENGENHO EVOLUTIVO E COMPLEXIDADE ECOLÓGICA
A descoberta dessa técnica de atração por simulação de feromônios e hemolinfa é mais do que uma curiosidade botânica: é uma pista do quanto a coevolução entre plantas e polinizadores pode assumir caminhos improváveis. A flor, mesmo rara, é um símbolo de como a natureza opera com precisão invisível, priorizando o sucesso reprodutivo acima da estética.
Espécies como a Ceropegia gerrardii, embora pouco conhecidas, ampliam o entendimento sobre o comportamento dos insetos necrófagos e a interdependência entre espécies. “É fascinante pensar que, para algumas flores, o cheiro de morte pode ser o perfume da vida”, comenta Caio Menezes, com humor científico. Ainda há muito a ser descoberto sobre a composição química dessa secreção floral, mas os primeiros indícios já sugerem uma das estratégias mais criativas de polinização conhecidas.