Resumo
• O estudo mostra que mamangavas conseguem diferenciar intervalos curtos de tempo, revelando uma percepção temporal mais sofisticada do que se imaginava.
• O experimento utilizou flashes de luz com durações distintas, ligados a recompensas ou punições, comprovando que os insetos aprendem e memorizam esses padrões.
• Mesmo sem estímulos visuais semelhantes na natureza, as abelhas interpretaram com precisão a duração dos flashes, indicando que essa habilidade pode ter outras funções evolutivas.
• A pesquisa sugere uma possível ligação entre a percepção de tempo e a interpretação espacial, já que abelhas usam fluxo visual para estimar distâncias.
• A descoberta reforça que insetos possuem capacidades cognitivas complexas, ampliando o entendimento sobre inteligência e comportamento no reino animal.
Há muito tempo, sabemos que abelhas são capazes de feitos impressionantes: reconhecem padrões, memorizam rotas, comunicam distâncias e até diferenciam rostos humanos. Entretanto, uma nova pesquisa conduzida pela Universidade Queen Mary de Londres em parceria com a Universidade Tecnológica de Nanyang, em Cingapura, acaba de adicionar mais uma habilidade a essa lista extraordinária. Segundo o estudo publicado na Biology Letters, mamangavas conseguem identificar a passagem do tempo em intervalos curtíssimos — algo considerado sofisticado até mesmo entre animais maiores.
Essa revelação amplia significativamente o que se entendia sobre cognição em insetos. Aliás, embora os ritmos circadianos dessas espécies sejam amplamente conhecidos, ainda havia uma lacuna importante sobre como elas processam segundos e frações deles. Agora, graças a uma metodologia engenhosa, pesquisadores oferecem respostas que surpreendem pela precisão do comportamento observado.
Como o experimento testou a noção de tempo das mamangavas
Para investigar essa habilidade, os cientistas criaram um ambiente controlado onde 41 mamangavas podiam circular livremente e aprender associações entre estímulos luminosos e consequências. Além disso, todo o protocolo foi desenhado de modo a evitar pistas externas, garantindo que apenas a duração do estímulo servisse como referência.
Duas luzes amarelas piscavam por tempos distintos: uma brevemente e outra por um intervalo mais prolongado. Quando as mamangavas escolhiam a luz correspondente ao tempo certo, eram recompensadas com uma solução açucarada; quando erravam, recebiam quinino — substância amarga que desencorajava decisões incorretas.
Contudo, para eliminar a possibilidade de que a intensidade luminosa interferisse na percepção, os pesquisadores controlaram o número total de flashes, mantendo todos os demais parâmetros idênticos. Assim, apenas o intervalo temporal poderia guiar a escolha.
O desempenho exigia precisão: era necessário acertar 15 das 20 tentativas para avançar no processo. E, surpreendentemente, mesmo quando as recompensas foram retiradas, muitas mamangavas continuaram selecionando a alternativa correta, o que demonstrou que o aprendizado havia sido consolidado de forma robusta.
Decisões baseadas no tempo: uma habilidade além da natureza imediata
Um aspecto particularmente intrigante do estudo é que insetos não encontram flashes intermitentes na natureza. Mesmo assim, conseguiram monitorar com exatidão a duração dos estímulos e tomar decisões coerentes com esse padrão. Esse comportamento sugere que a capacidade de medir intervalos curtos pode ter surgido evolutivamente para outras funções essenciais.
Entre essas funções, os pesquisadores destacam a interpretação de movimentos rápidos e a orientação dentro da colmeia. Movimentos de asas, vibrações e variações internas do ambiente são marcadores complexos, e acompanhar seu ritmo pode ser vital para interações sociais, defesa e eficiência na busca por alimento.
Assim, o experimento não revela apenas uma habilidade adaptada; ele expõe como mecanismos cognitivos aparentemente simples podem sustentar tarefas altamente elaboradas na vida desses insetos.
Tempo e espaço: uma relação que também existe para as abelhas
Outro ponto de destaque na pesquisa é a hipótese de que a percepção do tempo possa estar relacionada à forma como abelhas processam informações espaciais. Elas utilizam o fluxo visual — a velocidade do movimento do ambiente em relação ao corpo — para estimar distâncias durante o voo.
Segundo o estudo, é possível que mecanismos semelhantes sejam empregados para medir intervalos temporais. Essa possível convergência entre tempo e espaço já foi observada em vertebrados, e agora, pela primeira vez, encontra indícios convincentes também entre insetos.
Embora mais investigações sejam necessárias, essa descoberta abre portas para entender como estruturas cerebrais tão pequenas conseguem apoiar comportamentos complexos, reforçando a ideia de que o tamanho do cérebro não determina a sofisticação cognitiva.
Um novo capítulo no estudo da inteligência dos insetos
O trabalho das universidades britânica e singapurense demonstra que a cognição das abelhas é mais refinada do que se imaginava. Além disso, reforça que habilidades como memória temporal e interpretação espacial podem atuar de forma integrada, permitindo que esses insetos executem tarefas essenciais para sua sobrevivência.
Por isso, o estudo se junta a uma série de descobertas recentes que reposicionam insetos — especialmente abelhas — no centro de debates sobre consciência, aprendizagem e percepção no reino animal.



