Em meio à vegetação resistente e aos solos arenosos da Caatinga baiana, um pequeno ser de aparência robusta e nome peculiar veio à tona: Athyreus arretado. Mais do que um novo registro na zoologia brasileira, essa espécie de besouro traz consigo um traço cultural que não passa despercebido — seu nome homenageia uma das expressões mais marcantes do Nordeste, usada para definir tudo aquilo que é extraordinário, bonito ou digno de espanto.
A escolha da palavra “arretado” como epíteto científico não é gratuita. Com cerca de 2,3 centímetros de comprimento, o besouro recém-descrito impressiona pela anatomia incomum: possui um chifre proeminente na porção frontal do pronoto — a placa que cobre a parte superior do tórax — e carenas que formam desenhos curvos em forma de “J”, como se a própria natureza esculpisse um emblema em seu corpo. A coloração também surpreende, mesclando tons de marrom-avermelhado no dorso com um laranja vivo na parte inferior, uma combinação que parece refletir a própria paleta quente do sertão.
Descoberta nas dunas: um retrato da biodiversidade esquecida
O Athyreus arretado foi encontrado na Ecorregião das Dunas do São Francisco, especificamente no município de Casa Nova, no interior da Bahia. Essa paisagem peculiar, formada por paleodunas hoje cobertas por vegetação típica da Caatinga, é considerada uma das áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade brasileira. E não por acaso: trata-se de um verdadeiro refúgio de espécies endêmicas, algumas das quais ainda não foram sequer catalogadas pela ciência.
Nas observações de campo, os pesquisadores relataram que os besouros eram atraídos pela luz de lanternas, voando rente ao solo, a cerca de 60 centímetros de altura. Esse comportamento noturno, associado ao ambiente único das dunas vegetadas, sugere uma adaptação especializada a um ecossistema pouco estudado, mas de enorme riqueza biológica.
Uma joia da família dos besouros escavadores
Pertencente à família Geotrupidae — popularmente conhecida como besouros escavadores — o arretado é o primeiro representante desse grupo descrito na região do Submédio São Francisco. A descoberta, aliás, marca apenas o segundo registro de uma nova espécie de besouro (ordem Coleoptera) nas dunas da área, reforçando a ideia de que o bioma Caatinga ainda guarda tesouros vivos à espera de serem revelados.
A relevância do achado ultrapassa a curiosidade científica. Ele representa um avanço no mapeamento da fauna sertaneja e serve como alerta para a urgência de medidas de conservação. Afinal, cada espécie descrita é uma peça-chave na compreensão do equilíbrio ecológico do semiárido — um bioma exclusivamente brasileiro, mas frequentemente negligenciado nas políticas ambientais e nos programas de pesquisa.