Resumo
Eles caminham entre carros, sobrevoam calçadas movimentadas e bicam farelos nas praças como se fossem donos do lugar. Os pombos urbanos (Columba livia), figuras onipresentes nas paisagens das grandes cidades, dividem opiniões. Para muitos, sua simples presença é sinônimo de sujeira. Para outros, são apenas mais uma das muitas espécies que aprenderam a conviver com o concreto. Mas será que eles realmente representam uma ameaça? Ou seriam vítimas de um estigma construído com base em hábitos e aparências?
Segundo a professora Eduarda Pelizzari Camilo, especialista em Ciências Biológicas do Colégio Católica Curitiba, a associação direta entre pombos e impureza se deve mais a fatores culturais e sanitários do que propriamente biológicos. “O estigma de ‘animal sujo’ é alimentado por sua proximidade com locais insalubres, mas não podemos ignorar a complexidade ecológica que envolve essa adaptação urbana”, explica.
Aliás, essa convivência estreita entre humanos e pombos é fruto de um processo histórico. Originários de regiões montanhosas da Europa, Ásia e África, os pombos foram domesticados ao longo dos séculos para atuar como pombos-correio e até como fonte de alimento. A seguir, separamos três assuntos abrangentes sobre a espécie:
- Por que os pombos dominam os centros urbanos
- A fama de “rato de asas” tem algum fundamento?
- Como controlar a presença sem desequilibrar o ecossistema urbano
Por que os pombos dominam os centros urbanos
Ao contrário do que se imagina, os pombos não são atraídos pela sujeira — mas sim pela oferta abundante de alimento e abrigo que as cidades proporcionam. São aves onívoras e oportunistas, ou seja, adaptam-se a qualquer tipo de resíduo orgânico, desde grãos e frutas até restos de comida em calçadas. Essa flexibilidade alimentar é acompanhada por uma habilidade impressionante de orientação e voo. “Eles têm uma incrível capacidade de se deslocar em grandes áreas em busca de recursos”, destaca Eduarda.

A própria arquitetura urbana, com suas frestas, marquises e beirais, funciona como um substituto das antigas falésias e rochas onde a espécie originalmente fazia seus ninhos. Para o biólogo Fabrício Escarlate, professor do Centro Universitário de Brasília (Ceub), essa adaptação não ocorre da mesma forma em todos os ambientes. “Em áreas rurais ou mais naturais, os pombos não têm a mesma vantagem. Lá, precisam competir com espécies nativas e geralmente perdem essa disputa”, explica.
Além disso, a ausência de predadores naturais e a fartura de comida nas cidades favorecem uma reprodução acelerada. Os pombos atingem a maturidade sexual com menos de um ano e podem se reproduzir diversas vezes ao longo do ano, com posturas de dois ovos e incubação de apenas 18 dias. Após cerca de um mês, os filhotes tornam-se independentes. “O cuidado dos pais, tanto do macho quanto da fêmea, com o chamado ‘leite de papo’, é um diferencial que eleva a taxa de sobrevivência”, observa Eduarda.
A fama de “rato de asas” tem algum fundamento?
A expressão popular, embora carregada de exagero, reflete um incômodo coletivo. Escarlate explica que o apelido se deve à ocupação de nichos urbanos semelhantes aos dos ratos, especialmente em locais com acúmulo de resíduos. “Ambos dividem espaços degradados, mas seus comportamentos são diferentes”, pontua. O problema, portanto, não é exatamente o pombo em si, mas o desequilíbrio que sua superpopulação pode causar em ambientes urbanos mal planejados.
Mesmo assim, a visão negativa persiste. E, embora a presença das aves nem sempre represente sujeira, elas podem, sim, oferecer riscos à saúde — especialmente em locais com grande acúmulo de fezes secas. Essas excreções são ambientes ideais para fungos como o Histoplasma capsulatum e o Cryptococcus neoformans, que provocam doenças respiratórias sérias, como histoplasmose e criptococose. Além disso, há registro de contaminação por salmonela e outros microrganismos que afetam o sistema digestivo humano.
Outro ponto de atenção são os ninhos, que frequentemente abrigam piolhos, ácaros e outros parasitas. No entanto, segundo Eduarda, a ameaça é maior em situações de exposição prolongada ou em locais com condições sanitárias precárias. “Em pessoas saudáveis, o risco de infecção é baixo. Mas o alerta vale para locais mal higienizados, com acúmulo de fezes ou contato frequente com as aves”, reforça.
Como controlar a presença sem desequilibrar o ecossistema urbano
A superpopulação de pombos tem sido tratada como um problema de saúde pública em muitas cidades brasileiras. E a solução, segundo os especialistas, passa por medidas éticas e sustentáveis. Isso inclui restringir o acesso a alimentos, vedar áreas de abrigo como marquises e telhados, instalar barreiras físicas e, sobretudo, implementar programas de controle populacional.
Fabrício Escarlate destaca que o combate não pode ser feito de forma agressiva ou descontrolada, sob risco de gerar desequilíbrios ainda maiores. “Não se trata de exterminar a espécie, mas de reduzir os fatores que favorecem sua proliferação em excesso”, afirma.
O que está em jogo, no fundo, é o equilíbrio entre convivência e responsabilidade. Assim como outros habitantes urbanos — sejam humanos, animais ou plantas —, os pombos refletem o ambiente em que vivem. Quando as cidades falham em limpeza e planejamento, as aves apenas respondem com sua natureza adaptável. E, nesse contexto, a solução depende menos de culpabilizá-los e mais de rever a forma como os espaços urbanos são organizados.