O som das abelhas já foi tema de música, metáfora poética e símbolo da vida em movimento nos jardins. Mas o “zum zum” que um dia inspirou compositores e observadores da natureza está mudando. E não se trata de uma variação comum — cientistas vêm registrando alterações na frequência do zumbido das abelhas, associadas diretamente ao aumento das temperaturas globais e à presença de metais pesados no ambiente. A descoberta, além de curiosa, acende um alerta: o som que essas pequenas polinizadoras emitem pode se tornar um novo indicador da saúde dos ecossistemas.
A pesquisa recente, apresentada por uma equipe internacional de cientistas, investigou como o estresse térmico e a contaminação por metais afetam os músculos responsáveis pela vibração das asas das abelhas. Mais do que permitir o voo, esses músculos também são usados em outros comportamentos essenciais, como defesa e comunicação. Em espécies específicas, o zumbido ainda é a chave para a chamada “polinização por vibração”, um mecanismo engenhoso em que a abelha solta o pólen da flor ao vibrar seu corpo com precisão milimétrica.
Contudo, esse mecanismo natural começa a falhar. Em ambientes mais quentes, como os que vêm se tornando comuns devido às mudanças climáticas, as abelhas enfrentam dificuldades para manter a intensidade e a frequência de suas vibrações. Ao mesmo tempo, o acúmulo de metais pesados no solo e na vegetação — provenientes de atividades industriais, mineração e até do uso excessivo de defensivos agrícolas — interfere diretamente na fisiologia dos insetos, reduzindo sua capacidade de emitir os sons necessários.
Essas descobertas foram obtidas por meio do monitoramento de abelhas da espécie Bombus terrestris, comum na Europa, mas os efeitos podem refletir um cenário mais amplo. Ao utilizar acelerômetros para medir as vibrações e câmeras térmicas para observar o aquecimento corporal durante o zumbido, os pesquisadores confirmaram que, quando o ambiente ultrapassa certos limites de calor, o som emitido se torna mais fraco, irregular ou até cessa.

Aliás, essa perda na qualidade do zumbido pode ter implicações profundas para as plantas que dependem da vibração sonora para liberar seu pólen. Sem a polinização adequada, a reprodução dessas espécies vegetais é comprometida — o que afeta toda a cadeia ecológica, inclusive a produção de alimentos. O zumbido das abelhas, portanto, não é apenas um som característico da natureza: é uma peça vital na engrenagem da biodiversidade.
A poluição ambiental, somada ao estresse térmico, também levanta preocupações sobre a comunicação dentro das colmeias. As abelhas utilizam variações sonoras para se orientar, alertar o grupo e coordenar tarefas. Se a frequência desses sons diminui, os sinais podem não ser interpretados corretamente — o que interfere diretamente na dinâmica e na eficiência da colônia.
Assim, medir a frequência do zumbido pode se transformar em um novo e poderoso marcador biológico. Diferente de análises laboratoriais complexas, esse método pode ser aplicado em campo com tecnologia simples e não invasiva. Ele permitiria aos pesquisadores identificar colônias sob estresse ambiental antes mesmo que sintomas mais evidentes surjam, como a redução da população ou o desaparecimento de indivíduos.
Embora o estudo tenha se concentrado em uma única espécie, o potencial para expandir essas análises a outros tipos de abelhas — inclusive as nativas brasileiras, que desempenham papel crucial na polinização de florestas e culturas — é enorme. Especialmente em um país que perde milhões de abelhas por ano em decorrência do uso de pesticidas e do desmatamento, entender os sinais sutis que esses insetos emitem pode ser uma forma eficiente de antecipar e evitar colapsos maiores.