O franchising brasileiro vive uma transformação silenciosa, mas profunda. Enquanto o setor avança em números e consolida o país como o quarto maior mercado do mundo, um perfil específico de empreendedor começa a ocupar o centro da estratégia: o multifranqueado.
Donos de múltiplas unidades — seja dentro de uma mesma marca, seja com redes distintas — esses operadores não apenas representam uma força crescente nos bastidores, como também são peças-chave na profissionalização e expansão do modelo de franquias no Brasil.
Do controle local à escala nacional
Diferente do modelo norte-americano, em que grupos controlam dezenas ou centenas de unidades com estruturas corporativas robustas, o multifranqueado brasileiro ainda atua majoritariamente em estruturas enxutas. A maioria cresce de forma orgânica, a partir de uma operação local bem-sucedida, e mantém presença direta no dia a dia dos negócios. É um movimento mais artesanal, que nasce do envolvimento pessoal com a operação e vai se consolidando aos poucos — mas que já começa a causar impactos relevantes na paisagem do setor.
A base é familiar ou composta por pequenas equipes. Mas, com eficiência na gestão e conhecimento profundo da marca, muitos desses empreendedores conseguem expandir mesmo diante das limitações de acesso a crédito e capital. Essa realidade, comum no franchising nacional, não impede que eles transformem suas unidades em referências de performance, padronização e experiência do cliente — e é justamente isso que os torna valiosos para as franqueadoras.
Profissionalização e inovação no centro da estratégia
Ao contrário do franqueado tradicional, focado na gestão de uma única unidade, o multifranqueado adota uma visão mais ampla. Ele enxerga a rede como um ecossistema, busca sinergias entre operações e se posiciona de maneira estratégica dentro do negócio. Esse tipo de operador, ainda que em menor número, tem sido responsável por avanços significativos na inovação de produtos, na testagem de formatos e na replicação de boas práticas em larga escala.
Embora representem uma parcela ainda pequena do total — estima-se que apenas 40% dos franqueados brasileiros tenham mais de uma unidade — os resultados obtidos por esse grupo chamam a atenção. Em alguns casos, três multifranqueados juntos alcançam faturamentos bilionários, desafiando o paradigma de que franquias só prosperam no modelo tradicional unitário. Esse novo formato de operação não apenas melhora margens e reduz custos operacionais, como também amplia o poder de negociação e a competitividade das marcas.
Mercado em mutação e busca por escala
À medida que o mercado amadurece, a figura do multifranqueado vai se tornando indispensável para redes que desejam crescer com velocidade e consistência. Grandes marcas já vêm apostando em parcerias com esses operadores, reconhecendo neles a capacidade de garantir uma expansão com menor risco, maior eficiência e padrão de excelência replicável.
Os números revelam a força do movimento. A rede Buddha Spa, com 127 unidades, tem cerca de um terço de suas operações geridas por multifranqueados, o que contribuiu para um crescimento de 40% no faturamento anual. Na Morana, 192 das quase 300 lojas estão nas mãos de operadores múltiplos, assegurando uniformidade na experiência do cliente. Esses dados não são exceções — ilustram uma tendência em expansão.
Desafios de gestão e padronização
Apesar do avanço, ser multifranqueado exige mais do que vontade de crescer. Com o aumento no número de unidades, os desafios também se multiplicam. A necessidade de controle financeiro apurado, uso intensivo de tecnologia, gestão de equipes e manutenção da cultura da marca em todos os pontos exige estrutura e profissionalismo. Cada nova unidade exige atenção redobrada com processos, logística e atendimento — sob pena de comprometer a imagem da rede.
Além disso, os multifranqueados convivem com um ambiente macroeconômico desafiador. Inflação, custo elevado da mão de obra e mudanças nos hábitos de consumo — como a busca por conveniência, a preferência por delivery e o crescimento do home office — exigem rápida adaptação. Para crescer com sustentabilidade, é preciso visão estratégica e um alinhamento cada vez mais estreito com o franqueador.
Ponto de virada no franchising brasileiro
O crescimento dos multifranqueados indica que o franchising nacional entrou em um novo ciclo. Já não se trata apenas de replicar modelos de negócio, mas de construir plataformas de expansão com inteligência, capital humano e inovação. A tendência é que, nos próximos anos, esses operadores se consolidem como o elo entre as franqueadoras e o mercado consumidor, ajudando a redesenhar estratégias, acelerar a adoção de tecnologia e transformar as redes em verdadeiros ecossistemas empresariais.
Com isso, o setor se aproxima de padrões internacionais, onde multifranqueados são tratados como sócios estratégicos e participam ativamente de decisões que moldam o futuro das marcas. No Brasil, essa transição já começou — e os resultados mostram que o caminho é promissor.



