Resumo
• Presidente Prudente, segundo maior polo de batata-doce do país, ganha projeto que transforma o excedente do tubérculo em etanol e ração animal.
• A Agropecuária Vista Alegre investe R$ 12 milhões em ampliação da planta industrial e instalação de biodigestor para produção de biogás usado no próprio processo.
• A produção de etanol diário deve chegar a 25 mil litros, sendo 15 mil a partir da batata-doce, com álcool carburante, industrial e neutro para diferentes usos.
• O resíduo da fermentação gera ração com cerca de 29% de proteína, ajudando a substituir o DDG do milho e fortalecendo a pecuária em regime de confinamento.
• O projeto garante escoamento da batata-doce desclassificada, envolve pequenos produtores e foi apresentado na Batatec, animando a cadeia produtiva regional.
A batata-doce, que há anos ocupa lugar de destaque nas lavouras do Oeste Paulista, está prestes a assumir um papel ainda mais estratégico em Presidente Prudente, segundo maior polo de produção do tubérculo no Brasil. Em uma região onde o plantio e a colheita acontecem ao longo de todo o ano, o que antes era excedente de safra agora se converte em matéria-prima para energia limpa e nutrição animal. É nesse contexto que a Agropecuária Vista Alegre, conhecida pelo frigorífico Better Beef e pelo maior confinamento coberto e concretado da América do Sul, avança em um projeto que reposiciona a batata-doce como protagonista de um modelo de economia circular.
Além de organizar melhor o escoamento da produção regional, a iniciativa aponta para um caminho cada vez mais valorizado no agronegócio: aproveitar resíduos e sobras de colheita como insumos de alto valor agregado, reduzindo perdas, impactos ambientais e dependência de insumos externos.
Investimento em bioenergia e indústria no campo
Para tirar o plano do papel, a Agropecuária Vista Alegre prevê um investimento de R$ 12 milhões na estrutura industrial, que inclui a implantação de um biodigestor dedicado à produção de biogás. Esse biogás será utilizado diretamente no processo fabril, o que fortalece o caráter autossuficiente do empreendimento. Em vez de depender apenas de fontes externas de energia, a própria cadeia produtiva da empresa passa a abastecer parte das demandas da planta industrial.
O gerente industrial da Vista Alegre, David de Carlo Fernando Junior, lembra que a agropecuária já tem experiência na produção de etanol. Hoje, a empresa opera uma unidade que fabrica cerca de 10 mil litros diários de etanol neutro a partir de leveduras provenientes de usinas sucroalcooleiras da região e de uma cervejaria, produto que é comercializado com uma indústria química. A nova etapa representa, portanto, uma expansão de capacidade e um salto em diversificação de matérias-primas.
Da levedura à batata-doce: expansão da planta de etanol
O plano agora é adaptar e ampliar a planta existente para alcançar uma produção diária de 25 mil litros de etanol. Desse total, 15 mil litros deverão vir da fermentação da batata-doce, que passa a dividir protagonismo com os insumos já utilizados atualmente. A indústria irá produzir três tipos de álcool bem definidos: o etanol carburante, destinado ao abastecimento da frota da própria empresa, o etanol industrial, voltado a uso fabril, e o etanol neutro, que segue com aplicações específicas em segmentos como química e cosmética.
Essa diversificação permite que a mesma matéria-prima – a batata-doce – seja transformada em diferentes produtos, ajustando-se às demandas de mercado e garantindo mais estabilidade à cadeia. Além disso, o processo industrial não se encerra no álcool. O subproduto resultante da produção de etanol será incorporado à fabricação de ração animal, com expectativa de gerar cerca de 50 toneladas por dia.
Ração animal e substituição de insumos tradicionais
Um dos pontos mais importantes do projeto é justamente o destino do resíduo da fermentação da batata-doce. Segundo David de Carlo Fernando Junior, testes laboratoriais já comprovaram a viabilidade técnica de utilizar o tubérculo para produção de açúcar e etanol, e um projeto-piloto, que processou 300 quilos de batata-doce, apresentou resultados animadores. A análise do resíduo obtido ao final do processo registrou teor de proteína em torno de 29%, índice considerado bastante expressivo para fins de nutrição animal.
Esse nível de proteína abre espaço para substituir, parcial ou integralmente, ingredientes tradicionalmente utilizados na formulação de rações, como o DDG (grão seco de destilaria) derivado do milho. Dessa forma, a batata-doce deixa de ser apenas uma cultura de mesa ou de mercado in natura para se consolidar também como fonte estratégica de insumos para a pecuária, especialmente em confinamentos de grande escala.
Garantia de escoamento e segurança para o produtor
Um dos pilares do projeto da Vista Alegre é a segurança comercial para os agricultores da região. Ao se comprometer a comprar a batata-doce desclassificada para consumo in natura, a empresa passa a atuar como um importante canal de escoamento de 100% da produção regional, reduzindo a insegurança típica de anos em que há excesso de oferta e preços deprimidos.
“Vamos garantir a nossos parceiros agricultores, incluindo os pequenos produtores, a compra da batata-doce que é desclassificada para mesa, garantindo escoamento de 100% da produção regional, uma alternativa sustentável e de grande interesse econômico, livre de desperdícios”, afirma David. A declaração reforça a ideia de que o investimento não beneficia apenas o grupo empresarial, mas reverbera em toda a cadeia, especialmente entre os produtores que têm menor margem para absorver prejuízos em safras abundantes.
Além de incentivar a regularidade da produção, a agropecuária também projeta plantar 650 hectares de batata-doce irrigada por pivô central, utilizando como adubo os resíduos da própria pecuária. Assim, o ciclo se fecha: o gado gera esterco, que nutre os canteiros do tubérculo, que por sua vez é convertido em etanol e ração, alimentando novamente o sistema produtivo.
Uma rede produtiva integrada ao redor da Vista Alegre
A Agropecuária Vista Alegre não atua isoladamente. Além do confinamento de grande porte e das duas unidades frigoríficas, o grupo mantém 26 fazendas na região de Presidente Prudente. Essas propriedades reúnem áreas de pastagens e cultivos de cana-de-açúcar, que também entra na composição da ração do gado. O esterco coletado no confinamento retorna aos canaviais como adubo, reforçando o manejo de fertilidade e, mais uma vez, reduzindo a dependência de fertilizantes externos.
A entrada da batata-doce nesse sistema, portanto, é mais um elo em uma teia já consolidada de integração entre lavoura, pecuária e bioenergia. Cada resíduo ganha função, cada etapa do processo alimenta a seguinte, e o desperdício é substituído por novos produtos de valor econômico e ambiental.
Batatec como vitrine e termômetro do setor
O anúncio oficial do projeto de etanol de batata-doce ocorreu em julho, durante a sexta edição da Batatec, feira realizada em Presidente Prudente. O evento, que se consolidou como ponto de encontro da cadeia produtiva, reúne anualmente produtores, indústrias de máquinas e defensivos, instituições financeiras e demais elos ligados à cultura da batata-doce.
Segundo Liberto Fortuna da Rocha, um dos organizadores da feira, a apresentação da nova planta industrial despertou entusiasmo entre os agricultores. A possibilidade de contar com uma indústria capaz de absorver o excedente e agregar valor ao tubérculo foi recebida como um divisor de águas para a região. A feira, que tradicionalmente já cumpria o papel de palco para discussões técnicas e comerciais, passou a ser também um espaço de lançamento de soluções que reposicionam a batata-doce no mapa da agroenergia brasileira.



