Resumo
- A casca do café Robusta Amazônico, antes descartada como resíduo, virou ingrediente funcional em um biscoito desenvolvido pela UnB e Embrapa, que já teve pedido de patente no INPI.
- O produto substitui 30% da farinha convencional, tem alto teor de fibras e reduz gorduras e açúcares, superando padrões anteriores da literatura científica.
- A farinha de casca foi testada em diferentes processamentos, como natural e fermentado, revelando notas sensoriais doces, frutadas e amanteigadas.
- Mais de 250 pessoas participaram de testes sensoriais e aprovaram as versões desenvolvidas, com destaque para as cascas fermentadas entre 4 e 20 dias.
- O biscoito será apresentado na Semana Internacional do Café e na COP30 como símbolo de inovação sustentável e valorização da cadeia amazônica do café.
Muito além da bebida que aquece as manhãs e movimenta a economia nacional, o café cultivado na Amazônia começa a ganhar um novo papel na alimentação: o de ingrediente funcional e sustentável. Pela primeira vez, a casca do Coffea canephora — conhecida como Robusta — virou protagonista na criação de um biscoito nutritivo, com mais fibras, menos açúcares e um valor simbólico que transcende a nutrição. A iniciativa nasce da parceria entre a Universidade de Brasília (UnB) e a Embrapa Rondônia, em um projeto que já teve pedido de patente protocolado no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
Se antes as cascas eram destinadas quase exclusivamente à compostagem, agora elas ingressam em um novo ciclo de aproveitamento integral da cadeia cafeeira. A inovação se apoia em critérios rigorosos de análise sensorial, nutricional e de viabilidade tecnológica. E mais do que isso: resgata a importância de valorizar o que é produzido por comunidades tradicionais e agricultores familiares da Amazônia, conectando alimentação saudável com identidade cultural e sustentabilidade de verdade.
Um ingrediente nobre com origem na floresta
O trabalho com a casca de café parte de uma base robusta — em todos os sentidos. Os Robustas Amazônicos cultivados em Rondônia conquistaram, em 2021, a primeira Indicação Geográfica (IG) do mundo para Coffea canephora, reconhecendo não apenas sua qualidade sensorial, mas também o modo de produção enraizado em saberes locais. Hoje, mais de 17 mil famílias integram essa cadeia, incluindo povos indígenas, ribeirinhos e agricultores familiares.
As cascas utilizadas no projeto provêm de grãos especiais que ultrapassam 80 pontos na escala da Specialty Coffee Association (SCA), o que significa que a qualidade não está apenas no grão, mas também nos resíduos gerados. Ricas em compostos fenólicos, flavonoides e fibras alimentares, essas cascas passaram por diferentes tipos de processamento — natural, lavado e fermentado —, revelando um amplo leque de aromas e texturas.
Nas versões naturais, as notas são doces e carameladas; nas fermentadas, frutas e flores se destacam com elegância. Essa variedade sensorial influenciou diretamente na formulação dos biscoitos, que conseguiram unir saúde, sabor e inovação.
Uma nova fórmula para um novo mercado
A receita do biscoito representa um salto em aproveitamento tecnológico: 30% da farinha convencional foi substituída por farinha de casca de café — o dobro do que já havia sido testado na literatura científica até então. O resultado não é apenas simbólico. Ele atinge parâmetros nutricionais elevados, com até 15g de fibras por 100g de produto, além de uma expressiva redução de 45% nas gorduras saturadas e 25% nos açúcares adicionados.
Esses avanços estão de acordo com a Resolução da Anvisa (RDC nº 429/2020) e posicionam o biscoito como uma opção funcional para um público que valoriza ingredientes naturais, alimentação consciente e impacto ambiental reduzido.
Além da aceitação técnica, o produto também passou pela aprovação popular. Em testes sensoriais organizados pela UnB, mais de 250 consumidores provaram as versões com diferentes tipos de casca e confirmaram a preferência por amostras que usaram fermentação de 4 a 20 dias, valorizando o sabor amanteigado, adocicado e frutado.
Lançamento estratégico e vitrine global
A estreia oficial do biscoito com casca de café será durante a Semana Internacional do Café (SIC), um dos eventos mais relevantes do setor, que ocorre entre os dias 5 e 7 de novembro em Belo Horizonte (MG). No dia 6, a receita será apresentada ao público do evento, e, posteriormente, ganhará ainda mais visibilidade durante a COP30, em Belém, no espaço Agrizone – Casa da Agricultura Sustentável da Embrapa.
No local, a iguaria será degustada no Cooking Show, ao lado de outras propostas que unem ciência, biodiversidade e tradição culinária amazônica. A ação é promovida em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e reforça a proposta de dar voz — e gosto — a alimentos que representam o futuro da sustentabilidade alimentar.
Da floresta para o prato: o futuro da casca do café
A pesquisa abre caminho para novos usos da casca do café em panificação, confeitaria e outros produtos funcionais. A inovação não está apenas na substituição de ingredientes ou na melhoria nutricional, mas na construção de um sistema mais inteligente e sustentável de produção e consumo. Ao integrar ciência, biodiversidade e tradições alimentares da Amazônia, o projeto transforma um subproduto em uma solução com potencial de escala nacional e internacional.
Mais do que um biscoito, esse é um símbolo de como é possível reinventar a cadeia do café brasileiro com respeito ao meio ambiente, inovação tecnológica e valorização de quem cultiva com propósito.



