O etanol brasileiro está prestes a atravessar uma nova fronteira tecnológica — e talvez até climática. Pesquisadores da USP e UFC desenvolveram um sistema que pode transformar a tradicional queima da biomassa em uma aliada na luta contra o aquecimento global. A inovação, desenvolvida no âmbito do Centro de Pesquisa e Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), financiado pela Shell Brasil, nasce com um propósito ousado: capturar até 95% do dióxido de carbono (CO₂) emitido durante a produção do etanol e, com isso, transformar esse biocombustível em uma fonte de emissão negativa. Ou seja, um combustível que, em vez de poluir, ajuda a limpar a atmosfera.
Esse avanço pode reposicionar o Brasil na vanguarda da transição energética, aproveitando o que o país já tem de abundante — a cana-de-açúcar — para alcançar metas mais ambiciosas de descarbonização. Mais do que isso, a nova tecnologia aposta em um projeto de engenharia refinado, capaz de aliar eficiência energética, redução de custos e escalabilidade industrial.
Design inteligente a serviço do clima
O ponto de partida dessa virada tecnológica está no uso de uma técnica sofisticada chamada otimização topológica, que permite modelar, com base matemática, o formato ideal de equipamentos para a captura de gases. Isso inclui colunas de adsorção com geometrias pensadas milimetricamente para melhorar o fluxo interno dos gases, além de otimizar a transferência de calor e massa — dois parâmetros cruciais na eficiência do processo.
Combinando modelagem computacional e testes laboratoriais, os pesquisadores desenvolveram um sistema de leito fluidizado com adsorção por modulação térmica. Nele, a estrela é a zeólita 13X, um material já conhecido na indústria por sua capacidade de reter moléculas de CO₂ com alta eficiência. A diferença agora está no modo como esse processo ocorre: o novo design permite capturar a maior parte do carbono gerado pela queima da biomassa sem comprometer o rendimento da produção energética.
Captura eficiente e custo competitivo
Os testes conduzidos em escala de bancada indicam que a tecnologia pode capturar até 95% do CO₂ emitido, com um custo estimado em US$ 55 por tonelada — valor competitivo quando comparado aos métodos tradicionais de captura por absorção líquida. Ainda mais relevante é o fato de que o sistema é robusto o suficiente para lidar com a complexidade da composição dos gases liberados pelas caldeiras das usinas, o que o torna viável para implementação prática no setor sucroalcooleiro.
Além disso, o uso da zeólita como adsorvente permite operar em ciclos relativamente rápidos, o que favorece a integração da tecnologia ao ritmo de funcionamento das usinas. O desafio, porém, está em manter essa eficiência em contextos industriais, onde fatores como impurezas e vapor d’água podem afetar a performance do sistema.
Superando obstáculos com soluções engenhosas
Um dos principais entraves identificados pelos pesquisadores foi justamente a interferência de contaminantes como o dióxido de enxofre (SO₂) e a umidade dos gases. Esses elementos reduzem a eficiência de adsorção da zeólita, podendo comprometer até 30% do desempenho. A solução proposta envolve a introdução de etapas de pré-tratamento, como a remoção de vapor d’água, e ajustes no sistema de regeneração térmica, utilizando trocadores de calor estrategicamente posicionados para recuperar energia e reduzir o custo operacional.
Com essas adaptações, o processo tende a se tornar não apenas mais eficiente, mas também economicamente viável — fator essencial para adoção em larga escala. E como a queima da biomassa já faz parte do funcionamento padrão das usinas de etanol, a implementação da tecnologia se mostra compatível com a infraestrutura existente.
Um salto rumo à sustentabilidade energética
O verdadeiro impacto dessa inovação, no entanto, vai além da engenharia de processos. Ao tornar o etanol um combustível de balanço negativo de carbono, o Brasil reforça seu protagonismo em soluções sustentáveis que não apenas reduzem as emissões, mas removem CO₂ da atmosfera. Em tempos de urgência climática e pressão internacional por compromissos reais, isso pode representar uma vantagem estratégica tanto para o setor energético quanto para a imagem do país.
A nova tecnologia também poderá ser aplicada em outras formas de biomassa além da cana-de-açúcar, ampliando ainda mais seu alcance na transição para uma economia de baixo carbono. Com isso, o etanol brasileiro deixa de ser apenas uma alternativa verde ao combustível fóssil e se consolida como instrumento ativo de regeneração ambiental.