Na cidade de Santiago, localizada no coração do Rio Grande do Sul, um novo capítulo da produção de energia renovável começou a ser escrito. Com uma proposta ousada e tecnologicamente inovadora, o município passa a abrigar a primeira usina brasileira dedicada à produção de etanol a partir do trigo — uma matéria-prima que até então não figurava entre as fontes mais comuns de biocombustível no país.
A planta, idealizada e construída pela empresa CB Bioenergia, já está pronta e aguarda os últimos trâmites legais para dar início às operações ainda neste mês. A estimativa inicial é significativa: cerca de 100 toneladas de trigo serão processadas por dia, com previsão de geração anual de até 12 milhões de litros de etanol hidratado, um combustível limpo e de ampla aplicação no setor automotivo e industrial.
Inovação que nasce no campo
O projeto é fruto de uma jornada de pesquisa que levou aproximadamente três anos para alcançar uma fórmula viável e eficiente de transformação do cereal em biocombustível. O processo produtivo foi desenvolvido com apoio de soluções genéticas da empresa norte-americana IFF, que testou mais de 150 variedades de trigo cultivadas no próprio Rio Grande do Sul. O resultado foi a seleção de leveduras geneticamente modificadas, capazes de garantir maior aproveitamento do amido e maior conversão em álcool.
Segundo estimativas técnicas, essas leveduras aumentam a eficiência do processo de fermentação em até 4,5%, o que representa um ganho expressivo em rendimento e competitividade para o setor. A escolha do trigo como matéria-prima reflete uma tendência global de diversificação energética e melhor aproveitamento de culturas tradicionais em regiões agrícolas consolidadas.
Subprodutos sustentáveis ganham destaque
A proposta da CB Bioenergia não se limita à produção de etanol. A usina foi projetada com foco em aproveitamento integral da biomassa, o que inclui a geração de álcool neutro — utilizado nas indústrias de cosméticos, bebidas e farmacêutica — e a transformação dos resíduos sólidos em utensílios biodegradáveis, como pratos e talheres descartáveis de base vegetal.
Essa visão amplia o impacto ambiental positivo do projeto, alinhando-se com práticas de economia circular e agregando valor à cadeia produtiva do trigo. Além de reduzir desperdícios, os resíduos são reaproveitados de forma inteligente, contribuindo para o desenvolvimento de produtos sustentáveis que substituem plásticos de uso único.
Perspectivas de expansão e novos investimentos
A inauguração da unidade em Santiago é apenas o primeiro passo de um plano ambicioso. De acordo com projeções internas da empresa, a expectativa é de que a capacidade de produção seja ampliada nos próximos dois anos para algo entre 45 e 50 milhões de litros de etanol por ano, o que exigirá um novo ciclo de investimentos estimado em R$ 500 milhões.
Esse avanço projeta o Brasil como protagonista também na produção de biocombustíveis a partir de fontes não convencionais, em um momento em que o debate sobre energias limpas ganha força em todo o mundo. O Rio Grande do Sul, por sua vez, se consolida como terreno fértil para a inovação energética, aproveitando sua tradição agrícola e logística favorável.
Um polo em formação
A movimentação do setor de biocombustíveis no estado não se limita ao projeto em Santiago. No município de Passo Fundo, a empresa Be8 também está construindo uma nova usina voltada à produção de etanol de trigo. Anunciado em 2024, o empreendimento já tem 20% das obras concluídas e promete alcançar um volume ainda mais expressivo: 210 milhões de litros de etanol por ano, com previsão de operação a partir de 2026.