A instabilidade na oferta mundial de cacau criou um cenário raro e estratégico para o Brasil recuperar espaço no comércio internacional. Enquanto gigantes produtores da África enfrentam queda nas colheitas devido a problemas climáticos, pragas e lavouras envelhecidas, o Ceará demonstra que inovação e manejo técnico podem transformar a cultura em um novo vetor de crescimento econômico.
Nos últimos anos, os preços do cacau dispararam, impulsionados por uma demanda constante e por quebras expressivas de safra em países líderes do setor. A valorização histórica — que chegou a mais de 60% em apenas três meses — reforçou o interesse de produtores e investidores em regiões brasileiras aptas para o cultivo, especialmente no Nordeste, onde o clima e a tecnologia convergiram para resultados surpreendentes.
Do declínio histórico ao renascimento produtivo
O cacau brasileiro já teve papel central no mercado global, especialmente entre as décadas de 1930 e 1980, quando a Bahia era sinônimo de qualidade e volume. Essa trajetória foi interrompida no fim dos anos 1980 pela chegada da vassoura-de-bruxa, que devastou plantações e derrubou drasticamente a produção nacional. Hoje, passadas mais de três décadas, a cultura volta a ganhar protagonismo, não mais restrita ao Sul da Bahia, mas impulsionada por polos emergentes como o Vale do Jaguaribe, no Ceará.
A grande virada vem da adoção de tecnologias modernas de cultivo, como a irrigação por gotejamento e o uso de clones de alta produtividade, que garantem rendimento muito acima da média histórica brasileira. Em áreas bem manejadas, a produtividade ultrapassa três toneladas por hectare, frente aos cerca de 900 quilos obtidos em sistemas convencionais.
Ceará: modelo de inovação e eficiência
O avanço cearense não aconteceu por acaso. Há mais de uma década, projetos integrados entre produtores, associações e órgãos de pesquisa vêm testando variedades adaptadas ao clima local e desenvolvendo sistemas de plantio consorciado com culturas como coco e banana. Essa estratégia não apenas otimiza o uso da terra, mas também diversifica a renda e aumenta a resiliência econômica das propriedades.
O uso de clones como CCN51 e PS319, aliado a um manejo intensivo e criterioso, permitiu consolidar áreas que hoje colhem entre 2,5 e 3 toneladas de amêndoas por hectare. A verticalização da cadeia produtiva, com beneficiamento local e produção de derivados, também agregou valor, fortalecendo a economia regional.
Potencial econômico e expansão geográfica
O cacau irrigado no Ceará demonstra que a cultura é viável em diferentes portes de propriedade, com retorno financeiro atraente. Com preços médios em torno de R$ 50 por quilo, um hectare bem conduzido pode gerar receita bruta próxima a R$ 150 mil por safra, com custos que giram em torno de R$ 22 mil. Além disso, a baixa demanda por mão de obra e a facilidade de integração com outras culturas tornam o cultivo uma alternativa competitiva no agronegócio brasileiro.
Com o desempenho comprovado, especialistas defendem a expansão da produção para outras áreas do Nordeste, além de regiões do Centro-Oeste e Sudeste, aproveitando a disponibilidade de terras e a experiência adquirida no Ceará. A combinação de genética aprimorada, manejo de precisão e infraestrutura de irrigação coloca o Brasil em posição privilegiada para atender tanto o mercado interno quanto as exportações, reacendendo a ambição de voltar ao topo da produção mundial de cacau.