O avanço da transição energética no Brasil ganhou novos contornos com a publicação de um estudo que propõe uma resposta ousada e promissora: dobrar a produção de biocombustíveis até 2050 sem desmatar um hectare sequer de vegetação nativa. A pesquisa, elaborada pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema) em parceria com o Observatório do Clima, traça uma rota segura para o país reduzir emissões de gases do efeito estufa enquanto fortalece sua matriz energética com base em fontes renováveis e sustentáveis.
Aliás, o ponto central da proposta está em aproveitar um recurso frequentemente negligenciado: os pastos degradados. Segundo os dados analisados, o Brasil possui cerca de 100 milhões de hectares nessas condições, dos quais apenas um quarto seria necessário para viabilizar a ampliação da produção de etanol, biodiesel e bioquerosene — tudo isso sem comprometer a segurança alimentar e sem avançar sobre áreas naturais.
Pastagens degradadas entram no radar da bioenergia
O levantamento detalha que aproximadamente 56 milhões de hectares dessas pastagens poderiam ser recuperados para a agricultura. Desse total, entre 20 e 35 milhões de hectares seriam suficientes para abastecer o aumento da demanda por biocombustíveis projetada para as próximas décadas. Essa ocupação estratégica permitiria reduzir em até 92% as emissões de gases de efeito estufa no setor energético, mantendo o compromisso climático sem abrir novas frentes de desmatamento.
Essa solução é ainda mais relevante diante do atual cenário de pressão internacional e da proximidade da COP30, que será realizada no Brasil. A demanda por respostas práticas e regionais às mudanças climáticas impõe desafios urgentes — e a proposta de recuperação de pastagens surge como uma alternativa tecnicamente viável, economicamente eficiente e ambientalmente responsável.
Produção sustentável com foco na eficiência e diversificação
Um dos pontos destacados no estudo é que a transição para um modelo energético de baixo carbono precisa caminhar junto da intensificação produtiva, especialmente no setor agropecuário. Isso significa aumentar a produtividade nas áreas já disponíveis e diversificar as matérias-primas utilizadas. Além da tradicional cana-de-açúcar para o etanol de primeira geração, o etanol de segunda geração — feito a partir do bagaço — desponta como alternativa promissora para melhorar o aproveitamento da biomassa.
Outro destaque do estudo é a sugestão de ampliar o uso de espécies menos agressivas ao solo, como a macaúba, que pode ser cultivada em sistemas agroflorestais. Essa proposta vai ao encontro da necessidade de reduzir os impactos da monocultura, ao mesmo tempo em que promove novas formas de uso da terra mais resilientes e alinhadas aos princípios da agroecologia.
Políticas públicas e rastreabilidade como pilares da transformação
Para que esse potencial se transforme em realidade, os pesquisadores reforçam a importância de políticas públicas robustas. O incentivo à recuperação de áreas improdutivas deve ser acompanhado por mecanismos eficientes de monitoramento e rastreamento da cadeia produtiva. Iniciativas como o programa Caminhos Verde Brasil, que estimula a regeneração de pastagens para a produção de biocombustíveis, são apontadas como exemplos que devem ser ampliados e aprimorados.
Por outro lado, o setor privado também precisa contribuir com investimentos em tecnologia, práticas agrícolas sustentáveis e novas rotas de conversão energética. Essa combinação entre incentivo estatal, inovação e uso racional do solo é considerada essencial para garantir que a expansão da bioenergia não se traduza em novos conflitos fundiários ou pressões ambientais.
Transição justa e adaptada à realidade brasileira
O estudo ainda destaca que, no contexto brasileiro, a eletrificação da frota pesada — como caminhões de transporte de alimentos — ainda não é viável em larga escala no curto prazo. Dessa forma, os biocombustíveis assumem um papel de ponte entre o modelo atual e uma economia mais limpa. Essa transição, entretanto, precisa considerar as realidades locais, respeitar os biomas e garantir salvaguardas ambientais que assegurem o equilíbrio entre produção, conservação e inclusão.
Ao focar em áreas já degradadas, o Brasil pode consolidar uma trajetória de crescimento sustentável sem repetir os erros do passado. A bioenergia, portanto, se afirma não apenas como uma solução energética, mas como uma oportunidade de regeneração ambiental e desenvolvimento estratégico em sintonia com os desafios climáticos globais.