A solução para tornar a produção de etanol mais segura e ambientalmente responsável pode estar nos oceanos — ou melhor, nos resíduos que vêm deles. Uma pesquisa desenvolvida na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), no campus de Araras (SP), revelou o potencial da quitosana, uma substância extraída do exoesqueleto de crustáceos, como o camarão, para substituir o ácido sulfúrico em processos industriais. Essa descoberta, além de inovadora, propõe uma nova lógica para o uso de resíduos que antes eram descartados e agora ganham protagonismo na bioeconomia.
A pesquisa, conduzida durante o doutorado de Isabella Carvalho Tanganini e orientada pela professora Sandra Regina Ceccato Antonini, foi pensada inicialmente como resposta a um problema prático enfrentado pelas usinas de etanol no Brasil: a escassez de ácido sulfúrico durante a pandemia. “Esse produto, usado como antimicrobiano nas etapas de fermentação do etanol, tornou-se difícil de encontrar. Foi quando vislumbramos o uso da quitosana, já conhecida na vinificação, como alternativa promissora”, explica Sandra.
Além de cumprir a função antimicrobiana, a quitosana se destaca por ser biodegradável, menos tóxica e não corrosiva, o que representa ganhos tanto em segurança quanto em impacto ambiental. O diferencial da pesquisa da UFSCar está na forma de obtenção da substância: em vez dos métodos químicos tradicionais, as cientistas utilizaram melaço de cana, subproduto da própria cadeia sucroalcooleira, como meio para a fermentação dos resíduos de camarão. Assim, conseguiram extrair a quitina — e, posteriormente, transformá-la em quitosana — de maneira mais sustentável.
Etanol mais limpo e agricultura mais protegida
A quitosana, já utilizada pela indústria farmacêutica e de alimentos, demonstrou na pesquisa eficiência antifúngica contra agentes que afetam a produção agrícola, como Fusarium e Alternaria. Esse achado amplia ainda mais as possibilidades de uso da substância, que pode atuar como biopesticida, oferecendo uma alternativa natural ao controle químico de pragas.
“Estamos diante de uma molécula extremamente versátil. Além de substituir compostos agressivos nas usinas, a quitosana pode proteger lavouras e melhorar a qualidade do solo”, aponta a pesquisadora Isabella Tanganini. Ela destaca que, em uma fase mais recente da pesquisa, a equipe começou a desenvolver nanopartículas de quitosana, o que deve aumentar ainda mais sua eficácia em diferentes aplicações industriais e agrícolas.
Da bancada ao campo: testes em escala real e potencial industrial
A aceitação da quitosana pelas usinas produtoras de etanol já está em curso. Segundo a professora Sandra Antonini, parcerias com plantas industriais estão sendo formadas para testar a substância em ambientes reais, com as leveduras específicas de cada local. O estado de São Paulo, que responde por até 40% da produção nacional de etanol, desponta como campo fértil para a aplicação da tecnologia.
“Estamos validando a quitosana em condições reais, testando sua eficiência antimicrobiana com as bactérias presentes nas fermentações industriais. O objetivo é converter essa inovação em um produto comercialmente viável”, afirma Sandra.
Além disso, há disponibilidade de resíduos de camarão em larga escala, sobretudo em zonas portuárias como Santos, o que favorece a adoção do modelo em grande escala. “Esses resíduos podem ser obtidos em parceria com indústrias pesqueiras. E caso haja limitações, até as leveduras utilizadas nas fermentações de etanol podem ser fonte de quitina”, completa a pesquisadora.