Resumo
• O estudo da UnB e Embrapa identificou 12 compostos químicos liberados pelo milho que atraem a lagarta-do-cartucho, esclarecendo o mecanismo de infestação.
• A pesquisa confirmou que a crotalária não atrai a praga e funciona como barreira física natural, protegendo a lavoura sem necessidade de produtos químicos.
• Os especialistas destacam que o “perfume” emitido pelo milho infestado orienta as fêmeas da praga na escolha do local ideal para depositar seus ovos.
• A crotalária surge como alternativa sustentável e de baixo custo, especialmente útil em sistemas orgânicos e agroecológicos que evitam defensivos.
• A validação científica fortalece práticas já usadas no campo e abre portas para estratégias de manejo integrado mais eficientes e acessíveis ao produtor.
A relação entre o milho e a lagarta-do-cartucho sempre intrigou agricultores e pesquisadores, sobretudo pela capacidade da praga de localizar rapidamente as lavouras e provocar danos expressivos na produtividade. Agora, um estudo conduzido pela Universidade de Brasília (UnB) em parceria com a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia aprofunda essa explicação ao revelar, pela primeira vez, o mecanismo químico que orienta o comportamento da praga. A descoberta reposiciona práticas já usadas no campo, como o cultivo de crotalária, e amplia o repertório de soluções sustentáveis para pequenos e médios produtores.
Aliás, a pesquisa, publicada no Journal of Pest Science, mostra que o milho libera no ar um conjunto específico de compostos voláteis quando está infestado. Esses elementos, imperceptíveis ao olfato humano, funcionam como um verdadeiro mapa olfativo para as fêmeas de Spodoptera frugiperda, que encontram as plantas ideais para depositar seus ovos. Entretanto, o ponto mais importante do trabalho é que ele não se limita a identificar o problema: ele também traz caminhos para mitigá-lo com menor dependência de insumos químicos.
O perfume invisível que guia a praga
A investigação liderada pela mestranda Bruna Sartório de Castro e supervisionada pela pesquisadora Maria Carolina Blassioli-Moraes, da Embrapa, revelou a presença de 12 compostos químicos liberados pelo milho em situação de ataque. São substâncias voláteis emitidas pelas folhas quando o inseto está presente, alterando a mensagem química natural da planta e atraindo ainda mais indivíduos da praga.
Segundo Blassioli-Moraes, compreender esse mecanismo é essencial para avançar em estratégias de controle. “O objetivo desse novo trabalho foi entender qual seria o mecanismo para esse efeito. Queríamos avaliar se a crotalária poderia emitir algum composto volátil para repelir o inseto ou se era apenas uma barreira física”, explica. Além disso, o estudo surge como continuidade de pesquisas anteriores realizadas pela Embrapa Milho e Sorgo e pela Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, que já apontavam bons resultados da crotalária tanto no laboratório quanto no campo.
Assim, o conhecimento desse “perfume” vegetal não só esclarece o comportamento da lagarta-do-cartucho como também ajuda a ajustar programas de manejo integrado de pragas, especialmente em regiões onde a infestação compromete parte significativa da safra.
Crotalária: uma aliada simples, eficaz e acessível
Entretanto, entre os resultados mais impactantes do estudo, está a comprovação científica de que a crotalária (Crotalaria spectabilis) funciona como uma barreira física altamente eficiente ao redor de lavouras de milho. Isso acontece porque a composição química liberada por essa planta é completamente distinta da emitida pelo milho, não despertando interesse algum na lagarta-do-cartucho.
Na prática, a crotalária não atua como repelente químico, mas como um cinturão vegetal que, por não oferecer sinais atrativos para a praga, impede que o inseto avance para o interior da lavoura. Blassioli-Moraes destaca que a confirmação desse mecanismo reforça seu uso em diferentes sistemas produtivos. A estratégia combina simplicidade e resultados consistentes, além de apresentar grande viabilidade econômica.
“É uma alternativa que complementa métodos já conhecidos, sem a necessidade de produzir efeitos indesejados no ambiente. A crotalária protege por ser diferente do milho em sua emissão de voláteis, funcionando como uma barreira física natural”, explica a pesquisadora. Para pequenos e médios agricultores, esse esclarecimento representa uma oportunidade de adotar práticas de menor custo, sobretudo quando comparadas ao milho Bt — que, embora eficaz, pode favorecer o surgimento de populações resistentes da lagarta ao longo dos anos.
Além disso, o uso da crotalária ganha espaço em modelos agroecológicos, lavouras orgânicas e sistemas de rotação, favorecendo a saúde do solo e atraindo insetos benéficos. Assim, a planta se apresenta como peça central de manejos mais sustentáveis no campo.
Avanço científico que dialoga com a realidade do produtor
Por fim, a validação técnica do papel da crotalária reforça a relevância de práticas simples, porém estrategicamente eficientes, aplicadas por agricultores há décadas. O estudo oferece base científica para um manejo integrado mais amplo, no qual o comportamento químico das plantas é tão importante quanto sua genética.
Para Maria Carolina Blassioli-Moraes, a compreensão desse mecanismo abre caminho para novas pesquisas aplicadas ao controle biológico e ao melhoramento vegetal. “A partir do momento em que sabemos exatamente que compostos chamam a lagarta, podemos orientar o desenvolvimento de soluções mais inteligentes, sensíveis ao ambiente e com menor custo para o agricultor”, afirma.
Com esse avanço, a ciência aproxima ainda mais o produtor de alternativas seguras, econômicas e sustentáveis para preservar a produtividade do milho — um dos pilares da agricultura brasileira.



