A próxima Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30), marcada para novembro em Belém do Pará, já começa a provocar debate antes mesmo de suas mesas redondas. Desta vez, o centro da polêmica está… nas mesas dos restaurantes. O edital publicado pela Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI), responsável pela seleção dos operadores alimentares do evento, surpreendeu ao determinar a proibição do açaí, iguaria típica da Amazônia, e ao impor fortes restrições ao consumo de carne vermelha durante os dias da conferência.
A justificativa, segundo a OEI, segue padrões internacionais da UNFCCC — órgão da ONU responsável pela COP — e da Anvisa, com foco na saúde pública e segurança alimentar. Entretanto, para muitos, a ausência de alimentos simbólicos como o açaí, a maniçoba e o tucupi fere o orgulho regional e levanta discussões sobre a forma como a cultura alimentar é tratada em grandes eventos globais.
Regras rígidas e alimentos vetados
No edital da seleção, o açaí aparece na lista de itens proibidos por apresentar risco de contaminação pelo Trypanosoma cruzi, causador da Doença de Chagas, sobretudo quando não pasteurizado. Apesar de algumas versões do fruto já passarem por esse processo, a proibição foi estendida a todas as formas de comercialização. Outros itens tradicionais também ficaram de fora, como o tucupi e a maniçoba, ambos presentes em receitas profundamente enraizadas na culinária paraense.
Além disso, a lista de restrições inclui alimentos crus, bebidas não industrializadas, molhos caseiros, leite e derivados não pasteurizados, e doces com ovos fora de refrigeração. A orientação geral é priorizar alimentos com procedência rastreável e controle sanitário comprovado. Ainda assim, os cardápios deverão conter pelo menos 30% de ingredientes regionais e sazonais, como parte do compromisso com a valorização da produção local.
Cardápios mais verdes e menos carnívoros
A alimentação durante a COP 30 também terá um forte viés ambiental. Conforme diretrizes estabelecidas no manual da UNFCCC, os menus deverão dar prioridade a preparações baseadas em vegetais, limitando consideravelmente o uso de ingredientes de origem animal. A carne vermelha, por exemplo, deverá ser reduzida ao máximo possível, cedendo espaço para grãos, legumes, frutas, raízes e alimentos veganos ou vegetarianos.
Segundo o edital, os estabelecimentos deverão oferecer versões adaptadas a diversas dietas — sem glúten, sem lactose, halal, kosher e com alternativas plant-based. “Essas decisões refletem o alinhamento entre os compromissos ambientais do evento e o impacto da cadeia alimentar nas emissões globais”, afirmou a OEI em nota oficial.
Essa abordagem segue a lógica adotada em edições anteriores da COP, como a de Glasgow e a de Sharm el-Sheikh, nas quais a alimentação sustentável passou a ocupar um papel central no debate climático. A COP 30, no entanto, aprofunda esse modelo ao exigir que 30% do valor total dos insumos seja proveniente da agricultura familiar, fomentando cadeias produtivas locais e sustentáveis.
Tipos de culinária e experiências gastronômicas
Com a proposta de atender um público diverso e multicultural, os 87 estabelecimentos distribuídos entre a Blue Zone e a Green Zone da COP terão diretrizes próprias para elaboração dos cardápios. As cozinhas serão divididas entre seis categorias, que vão da culinária VIP internacional à brasileira regional, incluindo também opções italianas, pan-americanas e menus exclusivamente veganos e vegetarianos.
Nos espaços VIP, espera-se uma apresentação contemporânea de pratos tradicionais, com técnicas refinadas, porém alinhadas ao conceito de sustentabilidade. Já nos quiosques populares, onde lanches rápidos serão vendidos, há recomendação explícita para “evitar carne vermelha” em opções como snacks, tapiocas e salgados.
A comercialização das refeições deverá ocorrer entre os dias 3 e 28 de novembro, com preços acessíveis previamente avaliados pela OEI. Bebidas alcoólicas, por sua vez, só poderão ser vendidas das 15h às 21h e exclusivamente por operadores autorizados.
Segurança alimentar como prioridade
Em resposta às críticas e dúvidas levantadas desde a publicação do edital, a OEI reforçou que todas as medidas seguem rigorosamente os protocolos da Anvisa e as diretrizes da UNFCCC, que busca integrar boas práticas alimentares aos pilares da sustentabilidade. Segundo a entidade, a restrição de ingredientes como ostras cruas, carne malpassada e açaí cru visa garantir a saúde dos participantes diante das altas temperaturas e da logística alimentar complexa do evento.