Imagine uma conferência global de clima que, além de debater metas, encaminha recursos diretos ao campo. Em novembro de 2025, a COP30 vai abrir as portas em Belém, e com ela surge uma oportunidade inédita: cerca de 80 associações, cooperativas e redes produtivas, somando aproximadamente 8 mil famílias rurais, foram identificadas como capazes de fornecer alimentos ao evento. Este mapeamento estimula mais do que expectativas — ele concretiza uma demanda: para a primeira vez, o edital exige que ao menos 30% dos ingredientes utilizados nos espaços oficiais sejam provenientes da agricultura familiar, da agroecologia e das comunidades tradicionais.
Estima-se que essa exigência possa impulsionar cerca de R$ 3,3 milhões na economia local, um valor que corresponde a quase 80% do orçamento do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) do município de Belém. Ao conectar essas compras ao mercado institucional, a COP30 dialoga com políticas públicas e reforça a noção de que sustentabilidade pode caminhar junto a desenvolvimento local.
Critérios, transparência e viabilidade produtiva
Como saber quem pode participar? O mapeamento realizado pelos Institutos Regenera e Fronteiras do Desenvolvimento adotou critérios técnicos: estar cadastrado no CAF (Cadastro Nacional da Agricultura Familiar), capacidade de emitir nota fiscal e conformidade com normas sanitárias. “Muitas vezes perguntam: onde estão os produtores? Há produção suficiente?”, comenta Maurício Alcântara, cofundador do Regenera. Ele acrescenta que o levantamento é uma primeira fotografia — há mais famílias habilitadas do que as 8 mil já identificadas —, e que o objetivo foi demonstrar que o mercado existe.
A diversidade encontrada é significativa: diferentes municípios, variadas condições de solo, climas distintos e uma gama de produtos que vão de hortaliças tradicionais a cultivos amazônicos menos conhecidos. A exigência do edital funciona como provocação para que esses grupos se estruturaem — não apenas para o evento, mas para abastecer outros mercados institucionais futuros.
Muito além do número: sentido climático e simbólico
Incluir agricultores familiares e modelos agroecológicos no cardápio da COP30 é mais do que medida econômica: é uma estratégia de alinhamento com os princípios climáticos. Em sua fala, Alcântara ressalta que, justamente no contexto climático, esses produtores investem em sistemas regenerativos, respeitam os biomas e ampliam a diversidade alimentar em vez de monoculturas. Levarem para dentro da COP não apenas alimentos, mas exemplos vivos de produção sustentável.
Essa presença constrói um legado: demonstrar que grandes eventos podem reconhecer a produção local como protagonista, e que o discurso verde deve vir acompanhado de ações concretas — com produtores atuando dentro da conferência, não apenas em sua periferia.
A face amazônica no prato institucional
Entre os grupos mapeados está o Grupo para Consumo Agroecológico (Gruca), formado por agricultores urbanos de Marituba (região metropolitana de Belém). Um deles, Noel Gonzaga, cultiva macaxeira, feijão, milho, abóbora, quiabo e um alimento tradicional pouco consumido: o ariá — conhecida como “batata amazônica”. “Meu excedente vai para vender, mas tudo parte do autoconsumo; não uso insumos que prejudiquem minha saúde ou a do consumidor”, afirma Noel.
Ele também relata uma vitória: o açaí, inicialmente vetado no edital sob alegações de risco sanitário, teve sua proibição retirada após debate público. “A COP pegou a safra certa: haverá bastante açaí em novembro”, garante. Quando figuras e alimentos regionais entram no menu institucional, a conferência se aproxima culturalmente do território que a acolhe.