A COP30, que será realizada em Belém (PA), reacende uma pauta crucial para o Brasil: a transição para uma economia de baixo carbono. Em um país onde a principal fonte de emissão de gases de efeito estufa não vem da queima de combustíveis fósseis, mas do setor agropecuário, a agricultura familiar desponta como uma aliada essencial na agenda de sustentabilidade global.
De acordo com o professor Arilson Favareto, titular da Cátedra Josué de Castro da USP, “não existe agenda climática no Brasil sem uma agenda de transição para o sistema agroalimentar”. Ele explica que três quartos das emissões nacionais estão ligadas, direta ou indiretamente, à forma como o país produz e ocupa seu território. “O desmatamento impulsionado pela expansão da fronteira agropecuária é um dos grandes desafios da nossa transição ecológica”, acrescenta o pesquisador.
Diferente da agropecuária intensiva voltada à exportação, a agricultura familiar é guiada por uma lógica de sustentabilidade, pertencimento e equilíbrio. Nela, a mão de obra vem majoritariamente da própria família, e o cultivo representa não apenas a renda, mas também o sustento e a cultura dessas comunidades.
Segundo o Censo Agropecuário de 2017, realizado pelo IBGE, 84% dos estabelecimentos rurais brasileiros são de base familiar — ainda que ocupem apenas 23% da área destinada à produção agropecuária. Mesmo assim, esse modelo é responsável por 70% dos alimentos que chegam diariamente à mesa dos brasileiros.
Para o ambientalista Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), o impacto desse setor vai muito além do econômico. “A agricultura familiar garante a segurança alimentar, preserva tradições culturais e mantém vivas as florestas. Ao fixar famílias no campo, evita o êxodo rural e contribui para reduzir desigualdades”, afirma.
Ele acrescenta que, ao trabalhar em pequena escala e com respeito aos ciclos naturais, o produtor familiar mantém a biodiversidade e o equilíbrio ecológico, o que se reflete em paisagens mais preservadas e em alimentos mais saudáveis.
Entre os pilares que sustentam a relevância da agricultura familiar está a diversificação das culturas. Enquanto a monocultura — predominante no agronegócio intensivo — esgota o solo e reduz a biodiversidade, o cultivo de múltiplas espécies favorece um ecossistema equilibrado, capaz de regenerar a terra e absorver carbono de forma natural.
“Essas pequenas propriedades produzem alimentos com menor impacto ambiental e em sistemas agroecológicos que evitam o uso excessivo de agrotóxicos e fertilizantes sintéticos”, explica Favareto. Essa prática, além de contribuir para a segurança alimentar e nutricional, fortalece a resiliência climática das comunidades rurais.
Outro ponto fundamental é o papel desses agricultores na recuperação de áreas degradadas. Favareto observa que a agricultura familiar pode se beneficiar de políticas de reflorestamento com espécies nativas, atuando ativamente na recomposição dos ecossistemas e na restauração da fertilidade natural do solo. “Trata-se de uma sinergia entre sustentabilidade e desenvolvimento regional”, resume o especialista.
Os benefícios desse modelo de produção são múltiplos e se entrelaçam de forma exemplar. Ambientalmente, ele reduz a pressão sobre o desmatamento e promove o uso racional dos recursos naturais. Socialmente, amplia a distribuição de renda e mantém vivas comunidades rurais. Economicamente, reforça a soberania alimentar e impulsiona mercados locais com produtos mais diversificados.
Favareto define essa dinâmica como uma “tripla vantagem”. “A agricultura familiar tem potencial para responder às mudanças climáticas, aumentar a produção de alimentos e melhorar a renda das famílias rurais. É um modelo que combina sustentabilidade e inclusão”, afirma.
Bocuhy reforça que, além de eficiente, esse modelo é o caminho para um futuro mais justo. “Ao valorizar o pequeno produtor, o país investe em um sistema produtivo que conserva o meio ambiente e garante qualidade de vida no campo e nas cidades.”



