No interior paulista, uma nova frente do crime organizado começa a ganhar contornos alarmantes: a falsificação em larga escala de defensivos agrícolas. O que parecia ser apenas mais uma atividade clandestina ganhou novos significados após as investigações conduzidas pelo Ministério Público de Franca (SP), que ligam diretamente essa rede ilegal à atuação do Primeiro Comando da Capital, o PCC.
As revelações, obtidas após mais de uma década de apuração e reforçadas por reportagens da CBN e da RecordTV, indicam que a facção paulista não só está envolvida, como tem papel estratégico na coordenação de uma verdadeira indústria paralela de agrotóxicos. Franca, nesse contexto, deixa de ser apenas uma cidade do interior para se tornar um dos principais polos nacionais de falsificação desses produtos — com distribuição que ultrapassa fronteiras e alcança inclusive o mercado internacional.
Uma estrutura digna da indústria formal
O esquema comandado por membros da facção criminosa impressiona pelo nível de organização. Ao menos nove núcleos distintos operam de forma interligada, cada um responsável por uma etapa específica do processo: fabricação de embalagens, adulteração de produtos, emissão de notas fiscais falsas e venda por meio de canais digitais.
Dentro de laboratórios clandestinos descritos como semi-industriais, máquinas envasadoras, esteiras e selos gráficos idênticos aos originais são usados para replicar com precisão a aparência de marcas reconhecidas no setor. No entanto, o conteúdo é outro: as análises apontam para misturas compostas por água, solventes, corantes e quantidades mínimas do princípio ativo, quando não inexistente.
A estratégia da facção inclui não apenas a produção e comercialização, mas também a manutenção de uma fachada de legalidade. Em meio às investigações, foram identificados indícios de lavagem de dinheiro e agiotagem como práticas complementares ao negócio, indicando que o objetivo vai além do lucro imediato. Há uma tentativa real de infiltração no setor produtivo rural — e, pior, de dominação de nichos que deveriam ser regulados e fiscalizados.
Mensagens interceptadas e conexões perigosas
Conversas entre integrantes do PCC reforçam a complexidade da operação. As mensagens sugerem uma atuação coordenada, na qual os chefes da facção não apenas autorizam, mas orientam diretamente as ações em torno da falsificação de defensivos. Essa centralização chama a atenção do Ministério Público, que vê com preocupação o avanço da criminalidade organizada sobre cadeias produtivas legalizadas.
O promotor Adriano Mellega, que acompanha as investigações, aponta que esse tipo de movimento representa uma ameaça real ao setor agropecuário. “A facção passa a operar em paralelo à legalidade. E, com o tempo, pode dominar completamente esse mercado, impondo seus próprios métodos, preços e controle”, alerta.
Além dos riscos econômicos, há o impacto direto na segurança alimentar e ambiental. Produtos adulterados comprometem a eficácia no controle de pragas, podem contaminar o solo e os lençóis freáticos, e representam uma ameaça à saúde de agricultores e consumidores. Isso sem mencionar a concorrência desleal imposta aos fabricantes legalizados, que enfrentam um mercado contaminado por versões piratas, muito mais baratas — e absolutamente ineficazes.