Resumo
• EUA revogam tarifa extra de 40% sobre o café verde brasileiro, em decisão classificada por Márcio Ferreira, do Cecafé, como um “dia histórico” para a cafeicultura nacional.
• O tarifaço derrubou as exportações para os EUA em até 54% em três meses e poderia gerar um prejuízo de até US$ 3 bilhões em 12 meses, com perda de mercado e desvalorização nas bolsas.
• A reversão foi resultado de forte articulação entre governo brasileiro, Cecafé e importadores americanos, separando temas políticos das negociações estritamente comerciais.
• Com a isonomia restabelecida, a prioridade agora é recuperar espaço nos blends das marcas americanas, recompor estoques e monitorar possíveis efeitos residuais da crise recente.
• O próximo passo é derrubar tarifas sobre o café solúvel e investir mais em marketing e imagem, para que o café brasileiro ganhe mais protagonismo nas embalagens e junto ao consumidor final.
A revogação da tarifa extra de 40% sobre o café verde brasileiro pelos Estados Unidos foi recebida como um verdadeiro divisor de águas para a cadeia cafeeira nacional. Para o presidente do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), Márcio Ferreira, a decisão marca “um dia histórico” e encerra um capítulo que vinha sendo tratado, nos bastidores, com extrema apreensão por produtores, exportadores e autoridades em Brasília.
Durante meses, o chamado tarifaço colocou em xeque a competitividade do Brasil justamente no maior mercado consumidor do mundo, ao mesmo tempo em que abria espaço para concorrentes diretos. Agora, porém, o recuo do governo americano recoloca o produto brasileiro em condições de disputa equilibrada e, sobretudo, evita um prejuízo bilionário que já era considerado iminente pelo setor.
Tarifa extra ameaçava a liderança do Brasil no principal mercado de café
Ao comentar a decisão, Márcio Ferreira enfatiza que a medida dos Estados Unidos devolve ao Brasil a isonomia em relação a outros exportadores de café verde, que haviam conquistado tarifa zero na semana anterior. Segundo ele, a sobretaxa de 40% vinha distorcendo o comércio e empurrando o café brasileiro para fora das prateleiras e dos blends das empresas americanas.
“É uma alegria para todos os brasileiros. Essa tarifa vinha nos colocando em desvantagem enorme e colocava em risco o futuro das exportações”, afirma o presidente do Cecafé, ao lembrar que o país é reconhecido mundialmente pela qualidade, pela escala produtiva e pela sustentabilidade de sua cafeicultura.
Os números levados pelo Cecafé ao governo federal, aliás, mostravam o tamanho do problema. Em apenas três meses, as exportações de café para os Estados Unidos despencaram. Em agosto, o recuo foi de 46%; em setembro, a queda chegou a 52,8%; e, em outubro, as vendas encolheram 54%. Além disso, os estoques de café brasileiro nos EUA já estavam praticamente zerados, o que reforçava a sensação de urgência entre os agentes da cadeia.
Com concorrentes como Vietnã, Indonésia e Nicarágua passando a embarcar café com tarifa zero, as projeções do setor indicavam a possibilidade de perda de até 80% do mercado americano, o que representaria algo próximo de US$ 2 bilhões ao ano apenas no comércio bilateral. Entretanto, o impacto não se restringiria às vendas diretas. A pressão competitiva também ampliava o desconto aplicado ao café brasileiro nas bolsas internacionais, o que poderia gerar um prejuízo adicional estimado em US$ 1 bilhão em outras origens e destinos.
“Era uma situação insustentável. A ausência do Brasil nos blends americanos poderia se tornar irreversível”, alerta Ferreira, ao reforçar que, se nada fosse feito, a perda de espaço poderia cristalizar novas preferências e cadeias de suprimento em favor de outros países produtores.
Articulação entre Brasília e Washington acelerou o recuo
O desfecho positivo não ocorreu por acaso. Segundo Márcio Ferreira, a reversão das tarifas foi resultado direto de uma atuação coordenada entre o governo brasileiro, o setor privado e os próprios importadores de café nos Estados Unidos. Em reunião realizada em Brasília, na véspera do anúncio, com o vice-presidente Geraldo Alckmin e integrantes da equipe econômica, o Cecafé apresentou em detalhes os riscos do tarifaço e os efeitos concretos já observados na balança comercial.
“Foi um esforço incansável. Todos entenderam que era preciso separar questões políticas e tratar exclusivamente das questões comerciais. Isso fez a diferença”, resume Ferreira, ao citar o envolvimento de autoridades como o vice-presidente Geraldo Alckmin, o chanceler Mauro Vieira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro.
Além disso, a pressão exercida pela própria cadeia de café nos Estados Unidos também teve peso. Importadores, torrefadoras e grandes marcas avaliavam que a manutenção das tarifas extras elevaria os custos e poderia resultar, mais cedo ou mais tarde, em repasses aos consumidores finais. Assim, o risco de encarecimento do produto, somado à perspectiva de escassez do café brasileiro – presença tradicional em inúmeros blends –, acabou contribuindo para acelerar o recuo do governo americano.
Isonomia competitiva e retomada dos blends americanos
Com a modificação da Ordem Executiva 14323, as tarifas adicionais de 40% sobre o café verde brasileiro foram eliminadas, e permanece em vigor a decisão anterior que zerou as alíquotas recíprocas de 10% para todos os países. Na prática, isso significa que o Brasil volta a disputar o mercado americano em pé de igualdade, sem a barreira extra que distorcia preços e margens.
“Agora voltamos à isonomia. O Brasil recupera condições reais de competir, com sustentabilidade, transparência e produtividade que já são reconhecidas no mundo todo”, afirma Márcio Ferreira.
A prioridade imediata, segundo ele, é retomar o espaço perdido nos blends das empresas americanas, recompondo estoques e normalizando o fluxo de embarques. O setor considera fundamental agir rápido, justamente para evitar que o período de ausência relativa do café brasileiro tenha alterado de forma duradoura as formulações utilizadas pelas grandes marcas.
Ao mesmo tempo, o Cecafé pretende seguir monitorando possíveis efeitos residuais do tarifaço, como eventuais acordos comerciais firmados por torrefadoras com novos fornecedores e o impacto sobre os diferenciais pagos pelo produto brasileiro nas praças internacionais. “Ainda que o pior tenha sido evitado, os danos potenciais, caso o recuo não tivesse ocorrido, seriam incalculáveis e irreparáveis”, pondera Ferreira.
Próximo capítulo: a batalha do café solúvel
Se o fim da tarifa extra sobre o café verde traz alívio imediato à cadeia produtiva, o capítulo do café solúvel permanece em aberto. Márcio Ferreira lembra que cerca de 10% das exportações brasileiras para os Estados Unidos são compostas por solúvel, produto que agrega mais valor e gera um volume de empregos significativamente superior ao do grão in natura.
“Assim que soubemos da decisão, já iniciamos contato com a embaixada e com os importadores americanos para avançar também na isenção do solúvel. É um produto que gera de três a quatro vezes mais empregos do que o café verde”, destaca o presidente do Cecafé, ao defender que a agenda de negociações não pode perder ritmo.
Na avaliação de Ferreira, há consenso entre entidades representativas da cadeia e o governo federal sobre a importância de intensificar a pressão por uma solução rápida. Aliás, quanto mais o Brasil conseguir associar sua imagem à produção de café industrializado, mais sólido tende a ser o posicionamento do país na prateleira de produtos de maior valor agregado.
Marketing, imagem e presença do café brasileiro no exterior
Além da frente estritamente tarifária, a crise recente reforçou outra percepção no setor: a necessidade de investir em marketing, imagem e comunicação diretamente voltados ao consumidor internacional, em especial ao público americano. Márcio Ferreira reconhece que, embora o Brasil seja um gigante na produção e na exportação, a presença do país na embalagem final ainda não reflete toda essa relevância.
“Talvez o café brasileiro não seja tão conhecido na embalagem final quanto deveria. Esse episódio mostra a importância de fortalecer nossa marca e de permanecermos unidos. A cafeicultura brasileira é sustentável, gera progresso e tem uma relevância global que não pode ser ignorada”, afirma o presidente do Cecafé.



