A seca já não é mais um fenômeno restrito a regiões áridas. Hoje, trata-se de uma ameaça global, capaz de comprometer lavouras inteiras, desequilibrar ecossistemas e afetar a segurança alimentar. Segundo o relatório Global Drought Outlook, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), quase metade da superfície terrestre do planeta enfrentou, em 2023, ao menos um mês de seca extrema. Diante desse cenário, cientistas da Universidade Estadual de Londrina (UEL) encontraram uma aliada poderosa na ciência dos polímeros: os hidrogéis biodegradáveis, conhecidos popularmente como “água sólida”.
Esses materiais, que funcionam como pequenas esponjas capazes de armazenar e liberar água no solo, estão sendo desenvolvidos para ajudar mudanças agrícolas e florestais a resistirem melhor à estiagem. A proposta é simples, mas de impacto profundo: aumentar a sobrevivência das plantas com um produto de baixo custo, sustentável e seguro para o meio ambiente.
De aparência semelhante a pequenos grânulos translúcidos, os hidrogéis são redes tridimensionais de polímeros que absorvem e retêm grandes quantidades de água sem se dissolver. Quando aplicados ao solo, esses materiais armazenam a umidade nos períodos chuvosos e a liberam gradualmente durante as secas. O resultado é um microclima subterrâneo mais equilibrado, que ajuda as raízes a suportarem o estresse hídrico.
“O uso dos hidrogéis no campo é uma estratégia eficiente para reduzir as perdas causadas pela seca e otimizar o uso da água”, explica o pesquisador da UEL, um dos responsáveis pelo projeto. Ele destaca que, ao contrário das versões sintéticas — muitas vezes tóxicas e de difícil degradação —, os novos polímeros desenvolvidos na universidade são biodegradáveis e de origem natural, o que os torna compatíveis com os princípios da bioeconomia e do reflorestamento sustentável.
A equipe da Universidade de Londrina desenvolveu os compostos a partir de celulose, amido, goma xantana e gelatina, todos materiais abundantes e de baixo custo. O ácido cítrico, extraído de frutas, foi usado como agente reticulante — ou seja, responsável por unir as moléculas e formar a estrutura do gel.
Segundo o engenheiro agrônomo da UEL, os resultados foram impressionantes: “Em testes de laboratório, os hidrogéis conseguiram reter até quase cinco vezes o próprio peso em água, mantendo estabilidade térmica e resistência mecânica adequadas para uso em solos agrícolas.” Essa estrutura, com porosidade equilibrada, permite absorção eficiente e liberação controlada da água — o que é essencial em áreas sujeitas à irregularidade climática.
A microscopia eletrônica revelou ainda que o material apresenta uma combinação ideal entre poros abertos e fechados, o que melhora tanto a absorção quanto a durabilidade. Além disso, os testes térmicos comprovaram que os hidrogéis suportam altas temperaturas sem se degradar, característica importante para solos expostos ao sol intenso.
Quando aplicados ao solo, os hidrogéis mostraram resultados expressivos. Em experimentos realizados com sementes de milho, a taxa de germinação aumentou de 76% para 93% em solos enriquecidos com 5% do polímero. As amostras também apresentaram melhor retenção de umidade e liberação gradual de nutrientes como carbono e nitrogênio, que se tornam disponíveis à medida que o gel se decompõe.
Esse processo de biodegradação controlada tem um efeito duplo: além de hidratar as plantas, contribui para aumentar a biomassa microbiana do solo e reduzir a necessidade de fertilizantes químicos. Em outras palavras, a “água sólida” não apenas retém água, mas melhora a qualidade do solo e a eficiência dos nutrientes — um avanço que pode transformar práticas agrícolas e reflorestamento em larga escala.
O desenvolvimento dos hidrogéis faz parte do NAPI Biodiversidade: RESTORE, iniciativa pública apoiada pela Fundação Araucária, voltada à criação de soluções ecológicas para reflorestamento e sistemas produtivos sustentáveis. A pesquisa também integra o Centro TRANSFORMAT, programa que reúne a UEL e outras universidades públicas, como UFABC, UNESP e UNIFESSPA, em projetos de inovação verde.
Entre as frentes de estudo, os pesquisadores investigam ainda tubetes e espumas biodegradáveis que substituem plásticos convencionais e micomateriais derivados de fungos, com propriedades naturais de retenção de água. Essas descobertas abrem caminho para uma agricultura mais resiliente, circular e integrada aos ciclos da natureza.



