Resumo
- Projeto no Vale do Ribeira (SP) utiliza tecnologia de extração supercrítica com CO₂ para tornar o cultivo de lúpulo nacional mais eficiente e sustentável.
- A técnica eleva a concentração de α-ácidos no extrato, melhora a qualidade da cerveja e preserva o sabor regional do lúpulo, conhecido como terroir.
- O método segue princípios da química verde, evitando o uso de solventes tóxicos e reaproveitando o CO₂, o que reduz impactos ambientais.
- Além da indústria cervejeira, os extratos e resíduos podem ser usados em cosméticos e medicamentos, ampliando as possibilidades comerciais.
- A iniciativa promove economia circular, maior valor agregado ao produtor e fortalece uma cadeia produtiva local com menor impacto ambiental.
Em um país que figura entre os maiores produtores e consumidores de cerveja do mundo, o cultivo de lúpulo ainda é um gargalo para a indústria nacional. A produção local representa menos de 1% do insumo necessário, fazendo com que o Brasil dependa quase totalmente de importações para garantir o sabor e o amargor característicos da bebida. No entanto, um novo projeto conduzido por cientistas no Vale do Ribeira, em São Paulo, pode alterar drasticamente essa realidade. Com o apoio de instituições de pesquisa e empresas emergentes, o grupo desenvolve uma tecnologia de extração que alia eficiência, sustentabilidade e valor agregado.
A iniciativa nasceu no Centro de Pesquisa em Biodiversidade e Mudanças Climáticas (CBioClima), da Unesp, e envolve parceiros como o INCT NanoAgro, a incubadora Aquário de Ideias e empresas inovadoras como Bioativos Naturais e Kalamazoo. O método adotado é a extração supercrítica com dióxido de carbono (CO₂), uma técnica consolidada em países como Alemanha e Estados Unidos. Por aqui, ela começa a mostrar resultados expressivos, tanto em termos técnicos quanto econômicos.
O potencial oculto do lúpulo nacional
Tradicionalmente, o lúpulo cultivado em solo brasileiro é comercializado em pellets, com qualidade inferior aos extratos líquidos usados pelas grandes cervejarias internacionais. Segundo o professor Levi Pompermayer Machado, da Unesp, a tecnologia testada permite extrair compostos aromáticos e bioativos com até 72% de concentração de α-ácidos, enquanto métodos convencionais chegam a no máximo 15%. Essa eficiência resulta não apenas em melhor rendimento na fabricação da cerveja, mas também em ganhos logísticos e sensoriais.
“O lúpulo pode, agora, ser vendido em óleo, o que reduz o volume transportado e melhora a conservação”, explica Machado. Além disso, o sabor característico do terroir — aquele conjunto de fatores locais que confere identidade à planta — se mantém quase intacto no produto final. “Mesmo com uma leve variação sensorial, a assinatura do lúpulo da região continua presente”, reforça o pesquisador.
O método supercrítico também segue os princípios da química verde. O CO₂, que assume um estado intermediário entre líquido e gás sob alta pressão e temperatura, penetra profundamente na matéria-prima, extraindo os compostos de maneira limpa e eficiente. O mais interessante, segundo Machado, é que o gás utilizado é reaproveitado ao final do processo, eliminando resíduos químicos e evitando emissões poluentes.
Um modelo produtivo mais sustentável
Diferente de culturas de alto impacto ambiental, como soja e cana-de-açúcar, o lúpulo cultivado no Vale do Ribeira mostra-se adaptado às condições climáticas da região e ocupa menos espaço por hectare. O projeto prioriza a intensificação sustentável da produção, ampliando o valor agregado da lavoura e abrindo espaço para novas frentes de mercado.
“É possível produzir mais, em menos área, com menor impacto e maior retorno econômico. Isso é essencial num cenário de mudanças climáticas e necessidade urgente de práticas agrícolas mais conscientes”, aponta o professor.
O trabalho, publicado na revista científica Biomass Conversion and Biorefinery, destaca também a versatilidade do produto final. O extrato de lúpulo, antes limitado ao uso cervejeiro, pode ser incorporado à cadeia de cosméticos e fármacos, ampliando significativamente o alcance do ingrediente. Além disso, os resíduos gerados após o processo — chamados de spent hop — mantêm propriedades antioxidantes valiosas, como flavonoides e compostos fenólicos.
Economia circular e múltiplos destinos
É nesse ponto que a economia circular ganha protagonismo. A pós-doutoranda Johana Marcela Concha Obando, que integra o INCT NanoAgro da Unesp, explica que os rejeitos da extração ainda carregam um potencial considerável. “Como a técnica não utiliza reagentes químicos, os resíduos permanecem puros e com propriedades bioativas que podem ser aproveitadas em novos produtos”, afirma.
Os testes mostraram que, mesmo após a extração dos principais ativos, a biomassa residual possui usos possíveis em até dez segmentos industriais diferentes. Para Machado, esse é um divisor de águas. “Estamos deixando de atender apenas um nicho e expandindo para setores diversos, com um produto mais eficiente, sustentável e brasileiro”, comemora.



