Uma reviravolta no mercado global de café está em curso e tem tudo para impactar diretamente o Brasil, maior exportador da bebida no mundo. Com um acordo de US$ 18 bilhões, a gigante norte-americana Keurig Dr Pepper (KDP) anunciou a compra da JDE Peet’s, empresa holandesa que controla marcas amplamente conhecidas como Pilão e L’OR. A movimentação marca a maior aquisição da história do setor cafeeiro e promete alterar profundamente a dinâmica internacional da cadeia produtiva — e até mesmo as estratégias de exportação brasileiras.
Mais do que o tamanho do investimento, o que chama atenção é a concentração de mercado que o negócio vai gerar. Ao assumir o controle da JDE Peet’s, a KDP se tornará líder ou vice-líder em nada menos que 40 países, formando o que analistas já classificam como um novo império global do café industrializado. Não se trata apenas de uma fusão: trata-se de uma reformulação profunda na estrutura de poder que movimenta bilhões em vendas e milhões de sacas de grãos.
Oportunidades de triangulação com café brasileiro
Esse novo cenário pode ter efeitos indiretos, mas poderosos, para o Brasil. A atual tarifa de 50% imposta pelos Estados Unidos sobre o café verde brasileiro tem limitado a competitividade do produto no maior mercado consumidor da bebida. Entretanto, com a conclusão do acordo, analistas avaliam que haverá margem para operações de triangulação, em que o grão nacional pode ser processado em outros países — como México, Canadá ou até a própria Holanda — e exportado como produto industrializado.
A fusão, portanto, não apenas amplia a força operacional da KDP, como também oferece rotas comerciais alternativas para contornar barreiras tarifárias. O cenário ganha ainda mais relevância diante da atual volatilidade dos preços internacionais do café, agravada por questões climáticas e pela queda dos estoques globais. A operação representa uma peça estratégica que pode mudar as engrenagens logísticas do setor.
Uma nova era para as marcas Pilão, L’OR e Peet’s Coffee
Com o avanço da fusão, a KDP se dividirá em dois braços empresariais: um focado em bebidas geladas, como os refrigerantes Dr Pepper e Snapple; e outro voltado exclusivamente para o café, batizado de Global Coffee Co.. Este novo núcleo será responsável por todas as marcas de cafés embalados e cápsulas da antiga JDE Peet’s, além de controlar mais de 280 lojas da rede Peet’s Coffee nos Estados Unidos e cerca de outras 200 em países estratégicos.
A Global Coffee Co. já nasce gigante: estima-se que movimentará US$ 16 bilhões em vendas líquidas anuais, operando mais de 40 fábricas no mundo e gerenciando um portfólio com 125 linhas de produtos, entre cápsulas, cafés moídos, solúveis e prontos para consumo. Nesse novo tabuleiro global, marcas como Pilão, cuja presença no Brasil é consolidada há décadas, passam a ser peças de uma engrenagem ainda mais complexa e com enorme capacidade de influenciar padrões de consumo, tanto no varejo quanto no atacado.
Um mercado em expansão e as brechas para o Brasil
Embora os efeitos da fusão devam se desenrolar nos próximos meses, já há especulações sobre a possibilidade de o Brasil reocupar espaço no mercado norte-americano por meio da exportação indireta de café industrializado. A operação também pode acelerar o crescimento de pequenos produtores nacionais que apostam em nichos de qualidade e diferenciação, especialmente diante do domínio dos conglomerados.
A lógica lembra o que ocorreu no mercado de cervejas: à medida que algumas empresas cresceram demais, abriu-se espaço para o artesanal e o inovador. No café, o conceito “bean to package” — da colheita à embalagem — já é explorado por torrefadoras brasileiras de pequeno porte, que podem se beneficiar do novo cenário competitivo.