Na textura macia e no aroma inconfundível de um Queijo Minas artesanal, existe mais do que tradição: há um universo invisível de microrganismos que conta histórias, transmite heranças culturais e define identidades de uma terra. É justamente esse mundo microscópico — presente no famoso “pingo” — que Minas Gerais decidiu preservar com rigor científico. A partir de um investimento de R$ 2,1 milhões, a Epamig (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais) deu início à criação da primeira “Queijoteca Artesanal” do Brasil, um acervo vivo que vai catalogar os microrganismos que conferem autenticidade aos queijos mineiros.
A ideia é simples, mas poderosa: armazenar e estudar as comunidades bacterianas únicas que vivem no soro fermentado tradicionalmente usado na fabricação do queijo, o chamado “pingo”. Esse ingrediente, passado de geração em geração, carrega uma assinatura biológica exclusiva de cada região produtora, influenciando diretamente o sabor, a textura e o aroma do produto final. Ao tratá-lo como patrimônio genético, a ciência reconhece o que os produtores sempre souberam: o pingo é o coração vivo do queijo.
O saber popular no centro da inovação
A “Queijoteca” não nasce isolada. Ela é fruto de uma aliança entre pesquisadores, famílias produtoras e políticas públicas que valorizam o saber tradicional como ponto de partida para a inovação. Em campo, o projeto percorre as dez regiões mineiras oficialmente reconhecidas como produtoras de queijo artesanal, ouvindo quem está na lida diária com o leite cru, enfrentando intempéries, transformando tentativas em conquista.
A história da família Tarôco, no Campo das Vertentes, representa bem esse elo entre passado e futuro. Após anos de esforço, sua queijaria conquistou a primeira certificação estadual em 2015 e hoje distribui produtos por todo o Brasil. É esse tipo de empreendimento, enraizado na tradição mas aberto à ciência, que a pesquisa pretende fortalecer. A expectativa é que, ao mapear os microrganismos presentes em cada variedade regional, seja possível desenvolver fermentos naturais exclusivos e, com isso, garantir a identidade de cada queijo — protegendo-o até mesmo de possíveis padronizações industriais.
Tradição com selo científico
Ao transformar os microrganismos do queijo artesanal em objeto de estudo, o projeto reconhece o valor cultural, econômico e ambiental que gira em torno da cadeia produtiva do Queijo Minas. O acervo da Queijoteca servirá não apenas como arquivo científico, mas também como estratégia de valorização da biodiversidade local e dos saberes envolvidos no “modo de fazer” — já reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Unesco.
Além disso, os dados obtidos vão alimentar estudos sobre a ação probiótica dessas bactérias, ampliando o potencial nutricional dos queijos e ajudando a desenvolver novas aplicações para a alimentação saudável. A segurança sanitária também entra em pauta, com o objetivo de verificar o antagonismo natural desses microrganismos frente a agentes patogênicos.