A saúde no campo está no centro de uma descoberta científica com potencial transformador. Em uma iniciativa que une ciência, agricultura e políticas públicas, pesquisadores em Mato Grosso estão desvendando os impactos silenciosos da paracoccidioidomicose (PCM), uma infecção fúngica pouco conhecida, mas com alto potencial de comprometimento à saúde de trabalhadores rurais. A doença, provocada por um fungo presente naturalmente no solo, é transmitida principalmente pela inalação dos esporos — um risco invisível para quem lida diariamente com a terra.
Com foco no diagnóstico precoce da PCM, o estudo já analisou 270 agricultores familiares de nove municípios mato-grossenses, e a meta é alcançar 500 participantes até setembro. A iniciativa é coordenada pela doutora Rosane Hahn, vinculada à Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), e financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso (Fapemat). O projeto ganhou fôlego com o apoio da Secretaria de Estado de Agricultura Familiar (Seaf), que articulou a aproximação entre os pesquisadores e as comunidades rurais.
A PCM, também chamada informalmente de “paracoco”, não escolhe um único alvo dentro do corpo humano. Quando se instala, pode afetar os pulmões, a pele, os linfonodos, o sistema nervoso central, ossos e até órgãos genitais. Os sintomas muitas vezes se confundem com outras doenças respiratórias ou dermatológicas, o que dificulta o diagnóstico em estágios iniciais. É por isso que o olhar atento da ciência sobre os sinais precoces é tão importante.
Durante as coletas realizadas no Hospital Universitário Júlio Müller, em Cuiabá, um novo achado reforçou a relevância internacional do estudo: a equipe identificou uma nova variante do fungo causador da PCM, batizada de Paracoccidioides lutzii. A descoberta insere Mato Grosso no circuito mundial de pesquisas sobre micose sistêmica, com implicações diretas para a saúde pública rural.
Segundo a secretária estadual Andreia Fujioka, a ação vai além da pesquisa laboratorial e reforça o compromisso com a dignidade das populações do campo. “Os trabalhadores e trabalhadoras da agricultura familiar são a base da produção de alimentos no Estado. É nosso dever apoiá-los em todas as frentes, inclusive na promoção da saúde. Essa parceria com a UFMT reforça nosso compromisso com a qualidade de vida no campo e com o desenvolvimento sustentável das comunidades rurais”, afirma.
Embora a PCM não seja de notificação obrigatória em todo o país, o número de casos registrados em estados com solo úmido e alta exposição ao trabalho rural vem crescendo silenciosamente. A falta de visibilidade pública para doenças como essa reforça o papel estratégico de estudos como o da UFMT, que promovem ações preventivas com base em dados científicos.
Em caso de diagnóstico positivo, o trabalhador é encaminhado diretamente ao Hospital Universitário Júlio Müller, referência no tratamento da doença no estado. O acesso é imediato, sem necessidade de fila ou regulação, o que reduz significativamente os riscos de agravamento.
Para a doutora Rosane Hahn, o desafio vai além da detecção: é preciso manter um diálogo contínuo entre ciência, política pública e vida no campo. E, nesse sentido, Mato Grosso pode estar se tornando um novo centro de referência para o combate às micoses sistêmicas no Brasil.
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