Quando os rios brasileiros começam a mudar de comportamento com o aumento das chuvas e a correnteza se intensifica, um fenômeno silencioso, mas fundamental, se inicia: a piracema. O termo, de origem tupi, significa literalmente “subida do peixe”, e descreve o ciclo natural de reprodução de diversas espécies nativas que nadam contra a corrente para desovar. É um espetáculo da natureza que ocorre todos os anos, geralmente entre outubro e março, e que exige atenção redobrada de quem vive da pesca ou tem a prática como lazer.
A piracema é um período protegido por lei, em que a pesca de peixes nativos fica temporariamente proibida nos rios e lagos do país. O objetivo é claro: permitir que as espécies se reproduzam sem interferência humana e garantir a sustentabilidade dos ecossistemas aquáticos. Durante esses meses, a pesca de exemplares como o dourado, o tucunaré e o tambaqui está totalmente suspensa. A proibição se aplica tanto à pesca amadora quanto à profissional, com exceção apenas para atividades de subsistência, realizadas por comunidades tradicionais de forma artesanal e sem fins comerciais.
A legislação ambiental brasileira é rígida em relação às infrações durante o defeso. De acordo com o Decreto Federal nº 6.514/2008, quem for flagrado pescando espécies nativas nesse período pode enfrentar até três anos de detenção, além de multas que variam de R$ 700 a R$ 100 mil. Equipamentos usados na atividade irregular, como redes, motores e embarcações, também são apreendidos, reforçando a vigilância e a punição.
Entretanto, nem todos os peixes estão inclusos na restrição. A pesca de espécies exóticas e híbridas — aquelas que não são nativas do ecossistema local e foram introduzidas pelo ser humano — continua permitida, mesmo durante a piracema. Tilápia, carpa, bagre-africano e corvina são alguns exemplos liberados. Ainda assim, há limite: o pescador pode capturar até três quilos por dia, mais um exemplar extra. A regra busca equilibrar o controle populacional dessas espécies com a necessidade de sustento de muitas famílias ribeirinhas.
Além disso, o governo federal oferece o Seguro-Defeso, um benefício financeiro que garante um salário-mínimo mensal ao pescador artesanal durante o período de paralisação da atividade. O auxílio permite que esses trabalhadores respeitem a legislação ambiental sem comprometer sua fonte de renda, funcionando como um apoio crucial à preservação da fauna aquática.
Quando começa a piracema em cada estado?
As datas variam conforme a região, respeitando o ritmo ecológico de cada bacia hidrográfica. Em estados como Mato Grosso, Goiás e Santa Catarina, o período de defeso começa mais cedo, no início de outubro. Já no Sudeste e Centro-Oeste, a maioria das restrições entra em vigor a partir de novembro. No Amazonas, o ciclo reprodutivo se estende por mais tempo, indo até o fim de maio, em razão das particularidades da Bacia Amazônica.
- Mato Grosso: 1º de outubro a 31 de janeiro
- Goiás: 1º de outubro a 31 de março
- Santa Catarina: 1º de outubro a 31 de janeiro
- São Paulo, Minas Gerais, Tocantins, Paraná e Rio de Janeiro: 1º de novembro a 28 de fevereiro
- Mato Grosso do Sul: 5 de novembro a 28 de fevereiro
- Amazonas: 1º de dezembro a 31 de maio
Durante esse período, a fiscalização se intensifica e órgãos ambientais reforçam a proteção dos rios e lagos, especialmente em pontos críticos de desova. O apoio da população é essencial: respeitar a piracema é garantir que as futuras gerações ainda possam desfrutar da pesca e da rica biodiversidade dos nossos ecossistemas aquáticos.